sábado, 4 de julho de 2009

Josué e os Direitos Fundamentais (II): sobre a inexistência da memória.

Por mais que nos seja humanamente permitido tentar, jamais conseguiremos: há algo profundamente radicado em nós mesmos que não pode ser descolado, descartado, desmembrado. Nada consegue ser assim, tão forte, resistente e duradouro, e que não deixa sequer uma ínfima chance para que possamos ser sem Ela: a nossa própria maneira de ver é verticalmente por Ela estruturada, visualizada, verbalizada...
Na minha leitura d’O Inumano, de Lyotard, penso que é um exercício inútil tentar pensar sem Ela. Mesmo debaixo de sóis escaldantes, em que tudo o que consegue permanecer é apenas a pena dos inconscientes e o resto inútil dos conscientes, Ela insiste: forte, nua, crua. Nenhuma consciência poderá ser capaz de descrever conscientemente a sua força, e menos ainda a sua fraqueza. Negar a sua pulsão é propriamente a derrota do reconhecimento: ao reconhecer, eu simplesmente não conheço, mas encontro a mim mesmo nesse algo ou alguém que não sou - e as minhas limitações, que deveriam ser expostas, restam encobertas, ficando eu comigo mesmo e toda a minha mediocridade. Ela é o tempo que dura, que vive: é a própria condição de vida, cuja existência antes me constitui do que me extermina. Nada mais do que intensa e pura persistência...

(continua)


8 comentários:

Juriká disse...

Afú teu texto!
Abs

Ricardo Timm de Souza disse...

Dos que eu conheço, um dos teus textos mais sutis, dizendo o claro sem ofuscar de claridade, sem "obvializar" o nem-tão-óbvio... parabéns.

Aprovados no 4º Concurso para Defensor Público Federal disse...

Obrigado, Achutti.

Acompanho seu blog há um tempinho. Estou acompanhando a história de Josué e os Direitos Fundamentais.

Pensei que já havia linkado lá, mas agora está tudo certo.

Muito bom o seu post sobre o livro. Fiquei com a impressão de que o livro é bem melhor e mais profundo que o filme, mas vale a pena assistir sim.

Abraço!

Moysés Neto disse...

Interessante. Tinha interpretado de forma bem distinta esse passagem do Inumano. :-)

G.D. disse...

Pois sim: fiquei um pouco confuso, de largada, porque a minha interpretacao do "Inumano" trata-se de um download daquela feita pelo Mox (haha).

Achutti disse...

Na real, fiz uma adaptação da minha própria interpretação do Inumano...
Como aqui o assunto que propus é outro, não podia seguir o que lá ele trabalha - mas pensei ser possível trazer a questão para o âmbito da memória...
Como disse aquele Carteiro para o Neruda, "depois que a obra é publicada, ela não tem mais autor, e o sentido, quem dá, é o leitor."
Grande carteiro!! hehe...

disse...

O estilo da escrita ficou muito afudê: "dançante", eu diria.

Ricardo Timm de Souza disse...

O que de sua vida pregressa no macaco d'O relato a uma Academia, de Kafka, terá permanecido, após sua indignada hominização? Talvez ele fosse uma criatura iluminada, que nem conseguia viver "com" Ela nem "sem" Ela?? Não-raiz?