terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Fui...!


... até o ano que vem, estarei provavelmente em algum não-lugar por aí...
Se alguém me encontrar, favor me avisar onde estou.

Abraços!

domingo, 14 de dezembro de 2008

"Educação" superior?!

Difícil falar em “função” do ensino superior no Brasil: um país de miseráveis – não só economicamente – não pode ter apenas um parâmetro ou uma finalidade em termos de educação superior: é demasiado importante pensar em uma pluralidade de funções, no mínimo. Entretanto, o que se percebe é uma enorme proliferação de diplomas simbólicos, cujos resultados serão, no máximo, dois: o acúmulo de mofo ou o enquadramento para a posteridade. Se bem que um implica o outro, mas enfim...

A padronização e a infantilização do ensino superior atingem patamares inimagináveis: por meio de programas pré-definidos de conteúdos e de posturas didáticas que engessam o docente em uma estrutura educacional limitada, medíocre e totalitária (pois “única”), inviabilizam o poder criativo do próprio docente e, o que é MUITO pior, do aluno: como pensar diferente numa era em que tudo o que se transmite são idéias padronizadas? Como levar adiante o poder intelectual do estudante em uma atmosfera em que os “diferentes” são caçados como criminosos? Qual a possibilidade de transmitir ao estudante que ele deve pensar por conta própria, e não feito uma “marionete do pensamento alheio”, como refere Márcia Tiburi?!

Notadamente na esfera das ciências criminais, uma "pasteurização" jurídica é levada a efeito: munidos de manuais-dicionarescos, os professores são enjaulados pelo discurso concursista, e se vêem “presos” nas engrenagens da propagação de uma “cultura salarial”: não me importa mais o meu desejo, mas apenas o meu futuro salário. Ou, talvez, uma “vontade de salário”, pra não dizer que não é possível desejar um salário – muito embora o problema não seja bem esse... o que há por trás disso é, antes ainda, a mediocridade de uma vida destinada a foder com a vida dos outros, enquanto que a minha vai bem, obrigado, pois tenho o meu salário, a "minha mulher" (se referir à namorada ou esposa como “MINHA mulher” é simplesmente lamentável!) e os meus filhos, felizes, faceiros, trálálá...

Talvez devêssemos recuperar aquela idéia do Collège de France, em que os professores são obrigados a, todo ano, expor uma pesquisa original – o que os obriga sempre a renovar o conteúdo do seu ensino. Leiam a “Advertência” de “Os Anormais”, do Foucault (editora Martins Fontes), que vocês saberão melhor do que estou falando... para podermos pensar adiante, hoje, imprescindível abandonar essa prática patética dos cursos huxleyanamente pré-programados, economicamente orientados e mediocremente preparados: ao invés da putaria da “matéria mastigada na boca do aluno”, devemos mesmo é vomitar o lixo da humanidade na frente de todos e expor o ‘lado obscuro de nós mesmos’ (Roudinesco) e mostrar que todos estamos no mesmo barco, que ninguém é super-homem, e que a qualquer instante podemos sucumbir a essa merda toda que nos circunda e faz feder quaisquer das nossas idéias...

Antes, creio, é preciso apresentar as possibilidades – e não as mesmices de sempre, as porcarias de eternamente, o conteúdo petrificado, o significado embalsamado: apresentar as saídas – e não as entradas – pode ser, talvez, o principal papel do professor de ensino superior hoje no Brasil, a fim de evitar a eternização do conhecimento e a manutenção do genocídio legítimo em que estamos inseridos...

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Feriado da (in)justiça

Passadas 67.841 bancas de TCC, a correria tradicional de final de semestre, a bendita seleção (obrigado a TODOS que ligaram, enviaram mensagens, emails e afins!!), dentre outras coisas, aos poucos vamos retomando as atividades por aqui!

Por enquanto, vou me limitar a dizer que estou meio pasmo com o tal "feriado da justiça" do dia 8 de dezembro... feriado da justiça? No Brasil?! Isso soa bastante estranho pros meus rudes ouvidos...

E, justo no dia 8 de dezembro passado, fui a uma reunião num local próximo ao Foro Central daqui de Porto Alegre, e achei engraçado ver as pessoas me avisando que o foro tava fechado, porque era dia do tal “feriado da justiça”. E eu dizendo que não ia no foro, enfim, aquela coisa toda, alívio geral por perceberem que eu não havia me enganado, etc... Mas o que chamou a minha atenção foi um guardador de carro, que usou a expressão acima (“feriado da justiça”) pra me dizer, ele também, que o foro tava fechado: como é que ele vem me falar em feriado da "justiça"? O cara é muito foda, só pode!! Olhei pra ele e não me agüentei, tive que falar: “acho que podia ter também o feriado da injustiça! O que tu achas?” Ele começou a rir, e eu fiquei ali, sem entender direito o que tava acontecendo... tudo bem, ele deve ter achado que era uma piada, vai saber, mas eu tava falando sério...!!

Além disso, o que me causa espanto é que, no tal “feriado da justiça”, a “justiça” não funciona! Isso mesmo: não funciona!! Justo no dia em que ela devia estar com as portas mais do que abertas – podiam ser realizadas atividades daquelas ditas “cidadãs”, de aproximar o povo de lá, pra ajudar a minimizar o mofo das togas e colocar naftalina nas traças daquele monte de idéias velhas, essas coisas aí que dizem que serve pra alguma coisa... QUALQUER COISA podia ser feita nesse dia, MENOS fechar as portas!! Até coquetelzinho pros funcionários tá valendo, mas... fechar as portas?!?!

É bizarro que os foros fechem porque é “feriado da justiça”! As pessoas que trabalham nesses lugares realmente acreditam que há alguma espécie de “justiça” por lá – como se o próprio prédio representasse uma idéia de “justiça”, diria o nosso estimado Prof. Ricardo Timm de Souza... No dia em que os atores jurídicos deviam se esmerar pra fazer alguma coisa, pelo contrário, inventaram um feriadinho ali... pra mim, isso é bizarro, não adianta...

A proposta, portanto, é que se inicie uma campanha para a instituição do “feriado da injustiça”!

Sugiro, de imediado, o dia 1º de abril para o feriado. Do contrário e começarei a pensar que estão nos tirando para bobos...


sexta-feira, 28 de novembro de 2008

sábado, 15 de novembro de 2008

Sobre encarceramentos

“(...) considero que estar preso – seja num hospital psiquiátrico ou numa prisão – é algo inaceitável para um ser humano, e um discurso que sustente a desarticulação destes espaços me soa como algo que deve ser valorizado.” (Cristina Rauter)

(extraído do blog do Movimento Anticarcerário)

domingo, 2 de novembro de 2008

Surtos Extemporâneos Anticárcere III


"(...)

Saliente-se que há uma ação de anulação de título cumulada com indenização, que tramita na Xª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre/RS (processo nº. ZYK278), movida pela suposta vítima. Tal como se espera de qualquer justiça criminal séria, esta há de ser a última hipótese na tentativa de “solucionar” os conflitos inter-individuais, mormente quando se tratar de bem jurídico disponível, como é o caso do patrimônio – no caso em tela, o bem jurídico estaria protegido pelo art. 171 do CP.

Se há outra maneira de resolução da pendenga, não há motivos nem razões suficientes para levar tal demanda à justiça criminal, o que é traduzido pela melhor doutrina como princípio da subsidiariedade, ou da intervenção mínima, que, segundo Nilo Batista, “pressupõe sua fragmentariedade, deriva de sua consideração como ‘remédio sancionador extremo’, que deve, portanto, ser ministrado apenas quando qualquer outro se revele ineficiente; sua intervenção se dá ‘unicamente quando fracassam as demais barreiras protetoras do bem jurídico predispostas por outros ramos do direito’.” (BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro. 10. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2005, p. 89)

Para Guilherme de Souza Nucci, trata-se do princípio da intervenção mínima, ou da subsidiariedade, significando que “a lei penal não deve ser vista como a primeira opção (prima ratio) do legislador para compor conflitos existentes em sociedade e que, pelo atual estágio de desenvolvimento moral e ético da humanidade, sempre estarão presentes.” (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Parte Geral. Parte Especial. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 69)

Salienta ainda Nucci que “há outros ramos do Direito preparados a solucionar as desavenças e lides surgidas na comunidade, compondo-as sem maiores traumas. O direito penal é considerado a ultima ratio, isto é, a última cartada do sistema legislativo, quando se entende que outra solução não pode haver senão a criação de lei penal incriminadora, impondo sanção penal ao autor.” (Ibidem)

Nesses termos, cumpre questionar a finalidade política do presente processo criminal diante de outro ramo do Direito – notadamente mais eficiente – ora em uso por parte da suposta vítima, o Direito Civil, que, ao contrário da seara penal, não visa nada além daquilo que pretende a pretensa ofendida: o ressarcimento daquilo que acredita ser seu de direito.

Uma vez que há ação em trâmite no juízo cível que questiona exatamente o mesmo objeto, nada justifica a manutenção deste processo criminal: se outro meio, menos doloroso e mais eficaz, está sendo utilizado para a busca da solução do conflito, há que se abrir mão do direito penal para tanto. Ou, pelo menos, há que se aguardar o desfecho daquele processo, a fim de se evitar o uso exagerado, desmedido e desnecessário do poder punitivo."

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Surtos Extemporâneos Anticárcere II

O que se requer, portanto, é

uma criminologia que se proponha curiosa e compreensiva; uma criminologia que não produza criminosos e criminalizações, mas sim cognições desejantes de liberdade, que não apenas expliquem o passado e seus atores, mas se projete para o futuro e seus sujeitos possíveis. (CHIES, Luiz Antônio Bogo. Gênero, Criminalização, Punição e “Sistema de Justiça Criminal”: um olhar sobre as sobrecargas punitivas e as dominações masculinas. In: Revista de Estudos Criminais, n. 28. Porto Alegre: Notadez/PUCRS, 2008, p. 103)


Toda ordem de intervenção jurídico-penal conforme o modelo tradicional de justiça criminal, hoje, estará fadada ao fracasso, uma vez que pressupõe o êxito de uma razão já extensa e profundamente criticada: aquela, instrumental,[1] que sustenta e legitima o sistema penal. Para além dessas questões, a falha é sempre a mesma: acreditar que é possível, através de sistemas universais, enfrentar situações específicas e singulares.

A conclusão, portanto, não poderia ser diferente: para superar o medo, o preconceito, o sistema penal e sua resposta única (pena), há que se criar espaços para o diálogo, onde a construção das respostas seja viabilizada e cada caso possa apresentar a resposta mais adequada, tal como propõe a Justiça Restaurativa, por exemplo. Não se acredita que esse modelo de justiça criminal vá “solucionar os males do mundo”, mas, sem dúvida, será muito menos genocida que o atual sistema penal.



[1] Conferir: ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Surtos Extemporâneos Anticárcere I

"A redução da complexidade da cultura contemporânea[1] a meras leis – matemáticas ou jurídicas, tanto faz: a lógica é a mesma – acaba por apresentar uma simplificação insustentável: quando se trata de enfrentar uma ciência social aplicada como o Direito, cujos fenômenos não podem ser descritos através de fórmulas, corre-se o sério risco de um reducionismo muito próximo da irracionalidade.[2]

Pensar o direito penal como meio para efetivar uma resposta estatal em relação a um evento criminoso não só vai de encontro a toda e qualquer constatação de que o sistema penal não consegue efetivar as suas promessas,[3] como também evidencia o conservadorismo característico da dogmática atinente ao tema. A insistente natureza redentora do direito penal submete os acusados em geral a uma situação injustificável, sustentada apenas pela crença de que a pena poderá "salvar" o criminoso e "curá-lo", colaborando, portanto, para a “sociedade de bem”.

Preconiza, ainda, que, por meio da pena, conseguirá fazer com que o sujeito possa se re: ressocializar, reeducar, reintegrar...[4] Ou seja: é a lógica da resposta única para os mais diversos (e complexos) problemas e conflitos.[5] Independente da variedade dos fatores envolvendo cada crime, a resposta é sempre igual: pena privativa de liberdade.

Como diria Paul Feyerabend, “não há soluções gerais” (In Contra o Método. SP: UNESP, 2007, p. 16): é mais do que necessário admitirmos isso, para que possamos pensar no 'passo adiante', sob pena de mantermos essa mesmice genocida que temos hoje.

O que seria o direito penal, afinal, senão uma fórmula redutora de complexidade, ou então aquilo que Salo de Carvalho chama de método de despedaçamento? (Criminologia e Transdisciplinaridade. In "RBCCRIM", v. 54. SP: RT, 2005, p. 311)"



[1] Conferir SOUZA, Ricardo Timm de. Em Torno à Diferença: aventuras da alteridade na complexidade da cultura contemporânea. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

[2] “(...) a simplicidade das leis constitui uma simplificação arbitrária da realidade que nos confina a um horizonte mínimo para além do qual outros conhecimentos da natureza, provavelmente mais ricos e com mais interesse humano, ficam por conhecer.” (SANTOS, Boaventura de Sousa. A Crítica da Razão Indolente, p. 72.)

[3] Os trabalhos a seguir são suficientes para se chegar a tal conclusão: BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993; HULSMAN, Louk e CELIS, Jacqueline Bernat de. Penas Perdidas: o sistema penal em questão. 2. ed. Niterói: Luam, 1997; ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Em Busca das Penas Perdidas: a perda de legitimidade do sistema penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Revan, 1999.

[4] Sobre os discursus ‘re’, conferir: ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Desafios do Direito Penal na Era da Globalização. In: “Revista Consulex”, ano V, n. 106. Brasília: Consulex, 2001.

[5] “A dita civilização do progresso material, fundada na ciência e na técnica, não pôde realizar, pois, a suposta felicidade ampla, geral e irrestrita, conforme prometera em suas origens históricas.” (BIRMAN, Joel. Mal-Estar na Atualidade. RJ: Civilização Brasileira, 2007, 38)

sábado, 11 de outubro de 2008

Movimento Anticarcerário

Adicionei um blog à lista: o do Movimento Anticarcerário, idealizado por Salo de Carvalho.

http://anticarcere.zip.net/

Confiram! Vale muito a leitura! Ainda mais nesse momento de puro 'marasmo criminológico' pelo qual atravessamos...


"Movimento Anticarcerário - Exposição de Motivos

A profunda crise no sistema carcerário - brasileiro, em especial - motivou grupo de investigadores em criminologia, em sua maioria vinculados ao Programa de Pós-graduação em Ciências Criminais, a propor a criação de Movimento Anticarcerário.

O projeto tem inspiração no Movimento Antimanicomial italiano, cujo resultado foi a publicação da Lei 180/78. Intitulada como Lei Basaglia - líder do Movimento da Psiquiatria Democrática -, fomentou radical alteração e reforma no sistema de tratamento da saúde mental em inúmeros países ocidentais, sobretudo com o fechamento das instituições manicomiais.

Assim, objetivando pautar a discussão sobre a urgência da modificação e a necessidade de substituição do modelo de resposta penal centralizado na pena carcerária, o 'blog' procura criar espaço de discussão e de encontro de pesquisadores que trabalham com a temática."


quarta-feira, 8 de outubro de 2008

O Não-Lugar da Minha Vida III

Quanto mais eu caminho,
mais parece que nunca vou chegar...
Mas quanto menos me movimento,
mais certeza tenho de que não posso parar...
A ilusão da certeza
não tem absolutamente NADA
para me dizer:
ela é tão-somente isso:
uma ilusão,
um mito,
uma impressão...

Uma falsa promessa de que estarei seguro
se me mantiver parado,
se me mantiver protegido,
se me mantiver afastado
daqueles que me questionam
sobre as minhas verdades
e sobre as minhas vontades -
de me afastar da hipocrisia
e da lamentável vidinha
do mesmo dia de hoje
que é o mesmo dia de ontem
e que será igual ao dia
de depois de amanhã...

Mesmo não estando sozinho,
sinto-me em plena solidão:
seja em razão dos meus ensejos,
seja por causa dos teus sorrisos,
seja pela falta dos nossos desejos...

Quanto mais próximo estou,
mais só parece-me que sou:
esse abismo que se me apresenta
essa figurativa barreira intransponível
para realização daqueles meus sonhos,
mais parece a guilhotina dos desesperados,
que sabem que a morte é certa,
mas não sabem o peso e o fio
da lâmina que lhes cortará a vida,
que lhes tirará o sono,
que os apagará da história,
e os levará para o silêncio e a melancolia
daqueles que nada mais são,
além de pura memória...

Daqueles cuja eternidade nos alerta
que o tempo se esvai
e se vai,
como quem não quer nada
como o nada que é...
Mas que,
apesar de nada ser,
tudo leva,
tudo corrói,
tudo esmaga,
e tudo destrói...

Não: não vou deixar o tempo
levar os meus desejos,
não vou deixá-lo dominar
aquilo que sou,
sem pelo menos torná-los verdadeiros,
sem tê-los como ponto de partida
de uma vida menos morta
de uma vida mais vivida
de um olhar mais atento
de um sorriso mais honesto
de uma incerteza muito grande
de uma vontade delirante,
de quem não quer atravessar
essa curta existência inteira
como quem tem medo de sentir dor,
que não tem dó
da beleza de uma flor,
ou que morre de amores
diante de uma só triste
e única cor...

Enquanto vivo estiver,
continuarei atrás dos meus desejos,
como forma 
de me manter vivo...
E de afastar o sentimento de perda
que me atormenta a passagem dos dias:
sem poder sentir o calor,
sem poder sentir o amor,
que sei que em ti encontrarei:
na intensidade intensa
de todos os teus recantos,
na angustiante angústia
de todos os teus encantos.

domingo, 28 de setembro de 2008

O Discreto Charme da Burguesia


MUNCH, Edvard. Evening on Karl Johann Street (1892)

domingo, 21 de setembro de 2008

O Lugar da Docência: há luz no fim do túnel!

E-mail enviado por uma aluna:

"estava lendo os artigos que me passou...
consegui te entender melhor com relação à justiça-'nissim miojo' e o teu medo quanto ao riscos de um direito penal juvenil... eu ouvia falar desse projeto da justiça instantânea, mas na real nunca tinha parado para pensar o que era isso...
enquanto lia os artigos, lembrei do livro do Bauman... o direito, como todo o resto, está sendo diretamente atingido por essa liquidez das novas relações... e pelos trechos do discurso do juiz, dá pra perceber como todos os reais objetivos são revestidos da idéia de que o projeto visa o 'bem do adolescente', quando na verdade busca a 'segurança jurídica' e a tentativa (que infelizmente é aceita) de relacionar justiça de qualidade com rapidez e quantidade...
e daí me responde Daniel, como que o dito senso comum não vai acabar acreditando que a rapidez nos procedimentos e julgamentos (e que quanto mais condenações melhor) não está relacionada com justiça, se essa é a idéia que os próprios 'operadores do direito' passam e defendem...?
É foda neh... daí a gente fica com cara de pato (aquela que eu não gosto nem um pouco) quando tenta defender outra coisa...mas eu não desisto...mas fico um pouco cansada...
e o 'depoimento sem dano' que deveria ter como fim aliviar a revitimização é na verdade uma ilusão para afastar o 'nosso' dano, fazendo de conta que somos bonzinhos....
como se fosse tão fácil assim lidar com os sentimentos das pessoas e definir o seu dano e de forma mágica 'deletá-lo'... afinal, se o computador em um simples toque consegue deletar qualquer coisa, como que o magnífico ser humano (que criou toda essa tecnologia) não conseguiria fazer isso também né...

como o ser humano é pretencioso né..."

Esse é o tipo de coisa que me impede de desistir e me faz insistir na docência...

domingo, 7 de setembro de 2008

O Medo

"Em verdade temos medo.
Nascemos no escuro.
As existências são poucas;
Carteiro, ditador, soldado.
Nosso destino, incompleto.

E fomos educados para o medo.
Cheiramos flores de medo.
Vestimos panos de medo.
De medo, vermelhos rios
Vadeamos.

Somos apenas uns homens
e a natureza traiu-nos.
Há as árvores, as fábricas,
Doenças galopantes, fomes.

Refugiamo-nos no amor,
Este célebre sentimento,
E o amor faltou: chovia,
Ventava, fazia frio em São Paulo.

Fazia frio em São Paulo...
Nevava.
O medo, com sua capa,
Nos dissimula e nos berça.

Fiquei com medo de ti,
Meu companheiro moreno.
De nos, de vós, e de tudo.
Estou com medo da honra.

Assim nos criam burgueses.
Nosso caminho: traçado.
Por que morrer em conjunto?
E se todos nós vivêssemos?

Vem, harmonia do medo,
Vem ó terror das estradas,
Susto na noite, receio
De águas poluídas. Muletas

do homem só. Ajudai-nos,
lentos poderes do láudano.
Até a canção medrosa
se parte, se transe e cala-se.

Faremos casas de medo,
Duros tijolos de medo,
Medrosos caules, repuxos,
Ruas só de medo, e calma.

E com asas de prudência
Com resplendores covardes,
Atingiremos o cimo
De nossa cauta subida.

O medo com sua física,
Tanto produz: carcereiros,
Edifícios, escritores,
Este poema; outras vidas.

Tenhamos o maior pavor.
Os mais velhos compreendem.
O medo cristalizou-os.
Estátuas sábias, adeus.

Adeus: vamos para a frente,
Recuando de olhos acesos.
Nossos filhos tão felizes...
Fiéis herdeiros do medo,

eles povoam a cidade.
Depois da cidade, o mundo.
Depois do mundo, as estrelas,
Dançando o baile do medo."

Carlos Drummond de Andrade

In: A rosa do povo. 39ª ed. Record: RJ/SP, 2008, p. 35-37.

domingo, 24 de agosto de 2008

Sobre a (contra)nostalgia do futuro

Por mais que negue, não consigo deixar de imaginar como seriam as coisas e o mundo caso tudo acontecesse como eu gostaria. Certamente seria um tédio infinito e, provavelmente, eu estaria fadado ao suicídio. Mas, mesmo admitindo racionalmente essa possibilidade, é inegável que sempre fico a imaginar “como seria a (minha) vida se...”.

Dia desses fiquei pensando: como seriam as minhas aulas se todos os meus alunos lessem o que recomendo? E mais: se lessem essas indicações de forma crítica? E como seria o ensino jurídico se todos os alunos fossem críticos? Será que existiria ensino jurídico? Começo a pensar que não, pois todos perceberiam a limitação do próprio discurso jurídico e procurariam algo muito melhor para fazer de suas vidas a permanecer acreditando em duendes...

Como seria o amanhã caso a miséria acabasse, a paz reinasse, os preconceitos sumissem e as dores se apagassem? Como seria o mundo se a vida fosse só morango com leite condensado? Sim, seria uma vida gorda, mas estou falando metaforicamente... Como seriam os churrascos se todos se dessem conta de que a costela é, disparado, a melhor carne, e a picanha é só um meio de enganar os outros para cobrar mais caro por uma carne apenas mais macia e não tão saborosa?

Como seria – e aí também podemos pensar o contrário – o mundo se uma catástrofe mundial ocorresse? A espécie humana sobreviveria? O que viria então? O que existe além dos limites do universo? Estamira acha que há um transbordamento do humano – ou do inumano? – quando ele consegue superar os limites da racionalidade “comum”, quando ele reconhece a sua própria maldade mesmo inserido num contexto em que pensa que está sempre certo. Até a sua maldade estaria certa, portanto. Às vezes acho que ela tá mesmo certa...

Estou começando a pensar que o termo “nostalgia” não necessariamente se refere apenas ao passado: acho que, com igual propriedade, ele pode ser empregado quando pensamos e falamos do futuro: uma vez que estamos sempre pautando nossas ações para a melhora do futuro mas, ao mesmo tempo, vamos constatando que “os bons tempos” vão ficando para trás, a nossa imaginação se sobrepõe à realidade e ficamos a divagar: “que saudades daqueles bons tempos... se você não tivesse feito o que fez, tudo seria diferente hoje e melhor ainda seria amanhã...”.

Eis, então, a ambigüidade da nostalgia: ao mesmo tempo que nos faz pensar no que de bom ficou no passado, também nos faz pensar o quão bom seria o futuro. Como sabemos, é impossível reviver determinado momento exatamente da maneira como foi vivido ontem. Entretanto, por estar, no momento, bastante próximo de Adorno (por influência decisiva do amigo e professor Ricardo Timm de Souza, registre-se) e de alguns pensadores da Escola de Frankfurt, uma frase dele, em particular, chamou muito a minha atenção (mesmo admitindo a possibilidade de uma equivocada interpretação, uma vez que não li o texto em que ele a afirma): “aquilo que se realiza na vida não é muito mais do que a tentativa de recuperar a infância.” (In: Sobre a pergunta: o que é alemão?, p. 130. Apud SELIGMANN-SILVA, Márcio. Adorno. São Paulo: Publifolha, 2003, p. 19)

Ou seja: estamos sempre buscando atingir a nostalgia no futuro, mesmo sabendo que nunca entraremos duas vezes no mesmo rio... Ao mesmo tempo que admitimos a impossibilidade do reviver, continuamos essa busca incessante pelo reviver agradável, que nos remete a tempos memoriais e que, por isso mesmo, são irrepetíveis: tempos nostálgicos, portanto. Saudade, tristeza, melancolia: uma fusão de sentimentos em que nada faz muito sentido... E tal busca continua, apesar da clareza com que sabemos isso, a orientar nossos passos e a atormentar nossas idéias...

Talvez a briga com a nostalgia seja uma estupidez, ou até uma tentativa de briga com a nossa própria memória – mas, em alguns aspectos da vida, acho que é uma maneira razoável para partirmos em busca do desconhecido, do ainda-não-vivido...

García Márquez é um gênio, e uma frase dele tem me acompanhado há alguns anos e nos mais diversos momentos: “... a procura das coisas perdidas é dificultada pelos hábitos rotineiros e é por isso que dá tanto trabalho encontrá-las.” (In: Cem Anos de Solidão. São Paulo: Record, 1997, p. 238). Talvez aqui, dentro do que propomos (sem desmerecer o mestre colombiano, longe disso!), a gente possa ir além, para dizer que, antes de procurar as coisas perdidas, devemos nos permitir procurar também o desconhecido. O conhecido está aí, em algum lugar (do passado, perdido num canto da memória, ou nos entulhos dos nossos depósitos), mas o desconhecido não: o desconhecido simplesmente não está em nenhum outro lugar, justamente porque precisa ser conhecido, descoberto, explorado.

Essa permissão pela busca do que não existe pode ser a chance de nos desvencilharmos dessa nostalgia do futuro para abrirmos as possibilidades do novo ser tão bom quanto (ou muito melhor do que) o velho, por mais estranho que isso possa parecer. O desconhecido permite que se possa criar – diferente do conhecido, que, paradoxalmente, além de servir como fonte de inspiração, também limita, seja pelo que achamos que representa, seja pelo que os outros acham que representa. Não é possível dizer que o que já existe não permite a criação, evidente – mas impõe certos limites que, por vezes, dificulta que se crie algo novo ou que, simplesmente, ultrapasse-se o velho...

Longe do pensamento jurídico do dever ser (bem longe, aliás: não pretendo aqui prescrever como devemos nos comportar ou agir), estou cada dia mais convencido da idéia de que na pós-modernidade (ou mega, hiper, supermodernidade, tanto faz) devemos nos permitir pensar além, sob pena de continuarmos a escrever a história desde o ponto de vista dos vencedores e, naturalmente (e sem o perceber, o que é pior), negligenciarmos os vencidos. Se a incerteza reina absoluta na contemporaneidade, o que poderia ser mais incerto que o desconhecido, ou o novo? Aliás, o desconhecido nem incerto é, pois sequer existe – ou, para ser menos radical, preferimos acreditar que atinge a incerteza muito próximo ao seu grau máximo (se é que é possível medir a incerteza...).

Um questão: o que vale mais: continuar tentando criar a partir do velho ou buscar criar algo novo desde uma perspectiva nova? A mesma Estamira diz que não podemos sair jogando as coisas no lixo o tempo todo, como se não pudessem ser reutilizadas. Mais uma vez, acho que está certa: do contrário, e poderíamos jogar tudo (e talvez todos) no lixo. Bauman diz que as pessoas foram transformadas em coisas (cf. A Vida para Consumo: a transformação de pessoas em mercadorias. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008). Também ele está certo, e concluo eu, então, que certamente também poderão ser jogadas no lixo, descartadas, como mercadorias que são, caso não se preste atenção no que estamos fazendo.

O problema, ao que parece, está na percepção daquilo que devemos levar ou manter conosco e daquilo que devemos simplesmente ultrapassar. Nunca vamos conseguir ultrapassar tudo, é claro, mas, em alguns momentos, a essa passagem é o melhor caminho para sairmos de um círculo vicioso que – esse sim – não nos permite ir além. Dar-se conta do círculo vicioso, então, parece ser um bom caminho: não se joga nada (nem ninguém) no lixo, mas se abrem perspectivas novas, para que se possa ir, afinal, adiante.

O ponto central, então, seria a autocrítica. Ela me parece ser, por fim, a chave para nos conhecermos melhor e, a partir do que soubermos (o conhecido), permitirmo-nos ir além, ou seja, atrás do novo (o desconhecido). Mas nada disso adiantará se não tivermos autonomia: o melhor mesmo é que cada um pense por conta própria e consiga concluir o que é melhor para si e para os outros, dentro dos limites e das possibilidades existentes.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Quando faltam as palavras...

Ultimamente, em virtude das alterações no CPP e das aulas de Penal I (que sempre me tiram o sono), minha leituras estão voltadas apenas para os livros jurídicos.

E é incrível o que estou constatando: literalmente, estou me sentindo vazio, sem ter muito o que escrever. Reflexo disso é o tempo que levei pra escrever este post... Não que alguma vez eu tenha me sentido cheio de idéias mirabolantes e geniais, e que meus posts anteriores sejam lá grande coisa, não é isso: o que quero dizer é que muito pouco (ou quase nada) aprendo com os livros jurídicos!

Admito que o conhecimento das matérias cresce bastante e, quando percebo isso, acho bom, pois o ganho é significativo: aprendo mais pras minhas aulas e pra advocacia. No entanto, não aprendo quase nada em termos de vida. Aliás, aprendo que, cada vez mais, os livros jurídicos (notadamente os famigerados manuais) não têm muito o que dizer aos estudantes e leitores em geral. Limitam-se tão-somente a trazer aquela matéria na íntegra, do início ao fim, sem propiciar grandes possibilidades de reflexão ao sujeito...

A inevitabilidade de ler esses livros é evidente, e nem pretendo deixar de lê-los. Claro que não! Mas isso me mostra que realmente não podemos esperar muito de quem SÓ lê esse tipo de livro: como esperar uma grande decisão de um juiz que só conhece os manuais? Ou uma grande defesa, de um advogado que não tem conhecimento de mais nada além da "matéria em questão"? Ou qualquer outra atitude diferenciada por parte de qualquer ator jurídico que nunca leu nada além desses livros medíocres?! Agora compreendo porque ainda tem muita gente escrevendo dissertações e teses sobre "O agravo de instrumento no ordenamento jurídico brasileiro", ou "Da apelação criminal: limites e possibilidades"...

Não sei se estou certo ou errado: o que sei é que isso me incomoda, e acho que é motivo suficiente pra não permanecer somente nessas limitações manualescas.

Vale repetir o que escrevi num post anterior: "Me vê mais um antimanual, por favor?".


sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Sobre (in)tolerância e direito (penal)...

Francisco Goya: "O Três de Maio de 1808" (1814)
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"A pretexto de preservar o 'princípio da segurança jurídica', a doutrina sói defender, no entanto, a necessidade de se adotarem critérios/métodos no sentido de encontrar a 'única resposta correta', invocando, para tanto, metáforas como o 'espírito da lei' e semelhantes, já em si uma tática argumentativa. No entanto, além de incorreto, isso não seria nem justo nem conveniente, pois uma tal idéia, absolutamente incompatível com uma sociedade multicultural e multifacetada, é própria de uma ideologia antiliberal, que não acolhe, antes rechaça, as diferenças - de sexo, de raça, de cultura etc. Ademais, pretender unir ciência à idéia de unidade, de pureza, de prefeição, quer se refira à política, quer se refira à religião, quer se refira ao direito, é sempre algo perigoso e tendencialmente tirânico, e que há de ser, por isso, permanentemente combatido. No particular, nada há, pois, a lamentar, muito ao contrário: com abolir semelhante preconceito, abrem-se novas possibilidades para um direito penal fraterno e mais democrático, porque reconhecer a incerteza e a diversidade no direito é reconhecer a incerteza e a diversidade mesma do humano. A não ser assim, poder-se-á substituir, no futuro, os atuais juízes por sofisticados programas de computador."

QUEIROZ, Paulo. Direito Penal: parte geral. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, pp. 63-64.


Enfim, um manual de direito penal digno de nota. Ao longo do livro, a vontade de continuar a ler só aumenta, e o posicionamento crítico e coerente do autor demonstram, sem a menor dúvida, a qualidade da obra.

Excelente!

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

O Dia do Meu Velório

René Magritte: "A la rencontre du plaisir" (1950)
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Continuo sem entender o motivo de tanta tristeza. Já está tudo marcado: amanhã, 11h, será o meu velório. O meu velório. Ou seja: estarei morto, falecido, duro, apresuntado! Mas, ainda assim, ela persiste...

Talvez seja justamente por isso: estou triste pois sei que, amanhã, já não estarei mais entre nós. Ou entre vocês? Não sei mais... “Entre os vivos”. Melhor assim. No entanto, diante dessa irrefutável fatalidade, penso que seria demasiado simples explicar a minha tristeza e a minha angústia pelo fato de que não mais viverei. Muito simples. Não é isso. Deve haver outro motivo...

Por mais que pense, não chego a nenhuma conclusão. Pode ser que seja por causa das despesas: contratei um serviço de distribuição de lenços – de papel e de pano, em diversos tamanhos e cores – e aluguei uma máquina de café expresso, pro pessoal que ficar muito tempo por lá e sentir vontade de tomar um. Não será preciso tirar o olho do defunto – ou seja, de mim: basta ir até a máquina e apertar o botão do café desejado.

Não, acho que isso também não é. Afinal, esse gasto eu já havia previsto desde os meus 19 anos, quando fui a um velório em que todos choravam e se lavavam com as lágrimas. Daí a idéia dos lenços grátis. E aos 22, fui a um em que as pessoas tomavam muito café – mas, para isso, tinham que deixar o presunto ali, às moscas, como se tivesse mesmo morto. Uma coisa é saber que a pessoa morreu. Outra, bem diferente, é deixar a carcaça ali, sozinha. Isso eu não gostaria para mim, pois geralmente as capelas em que se velam os mortos são um tanto assustadoras. Talvez a minha idade à época tenha colaborado pra me assustar, mas a questão é que fiz um planejamento matematicamente perfeito e, ao longo desses 46 anos desde então, juntei o suficiente para não ficar sozinho na capela e para oferecer, mesmo que post mortem, café aos meus convidados. Não sei bem se posso chamá-los de convidados, mas o fato é que convidei alguns. Outros, como é de praxe, certamente aparecerão de furo. É a lógica humana: só somos valorizados em morte, quase nunca em vida. Nem nos meus melhores aniversários, quando eu estava (estou?) vivo e convidava uma penca de pessoas, aparecia tanta gente! Tenho certeza disso: amanhã, quando já não mais estarei “entre os vivos”, teremos casa cheia. Vai entender...

Por falar em entender, concluo que também não é esse o motivo da minha tristeza. Talvez a tristeza não seja assim tão simples de ser explicada. Nem meus 32 anos de análise, agora, estão sendo úteis, pois não consigo ir além do que já fui na minha auto-interpretação. Se bem que posso estar vendo aquele filme que, segundo dizem, passa na hora da nossa morte, em que vemos e recordamos os melhores momentos de nossas vidas. Mas, no meu caso, tenho que admitir que não estou vendo esse filme. Estou, aliás, lembrando dos meus piores momentos. Lembro daquele dia em que vi minha melhor amiga ser humilhada em plena Praça XV por uns idiotas, e nada fiz. Covarde, apenas aguardei que eles saíssem dali para, “em segurança”, poder ir lá falar com ela. Catso!! Como pude ter sido tão passivo, tão inerte, tão babaca?! Nunca consegui superar isso, nem a análise ajudou nesse sentido...

Lembro também do dia em que aceitei, passivamente, que um vendedor de uma loja de roupas fosse humilhado na frente de todos pelo seu patrão. Nunca aceitei isso também, pois apenas mostrou que sou mesmo um covarde... apesar de não ter absolutamente nada a ver com a vida dele, deveria tê-lo apoiado, ter dito que errar é humano, essas coisas que, no momento certo, ajudam a amenizar um pouco... Como me arrependo de ter sido tão covarde... depois que a merda tá feita, fica fácil analisar e pensar na “solução”, eu sei disso – mas o fato é que não esqueço esses episódios lamentáveis do meu passado, da minha memória, triste memória...

Uma outra possibilidade é o fato de que, em vida (não sei por qual razão falo como se já estivesse morto...), não consegui descobrir o sentido da própria vida. Afinal, como eu amanhã – e vocês, com certeza, no futuro – acabaremos todos em capelas, velórios, caixões, cemitérios... Acabaremos todos “mortinhos da silva”, em suma. Quais seriam os motivos das guerras, da violência, da humilhação, das bombas atômicas, das mortes banais, dos campos de concentração, do racismo, do machismo, dessas desgraças todas?! TODOS, sem exceção, acabaremos MORTOS. Isso é inexorável, é a regra que confirma que todas as regras têm uma exceção. Em sendo a única exceção, confirma a regra! Então, por que tudo isso?! Onde se escondem os humanos? Atrás de armas, grades, portarias, equipes de segurança? Links, nicknames, mecanismos supermodernos na tentativa desesperada de estabelecer pseudo-relacionamentos...? Onde está toda a gente que, dizem, habita este planeta?! 6 bilhões de pessoas!! Imagino quantas pessoas interessantes não existem por aí... A pena é que só conhecemos poucas delas. Pelo menos foi o que aconteceu comigo... Talvez pela minha covardia, sempre temi sair por aí e falar com qualquer um que me cruzasse o caminho... A minha covardia... Bah...

Acho que, como diria o Analista de Bagé, “isso não é um problema, é frescura! Problema é a zaga do Guarani, que tá desfalcada pro próximo jogo!” Certamente ele me daria um joelhaço, não tenho dúvida... Ele diria também que não posso me preocupar com o que não está ao meu alcance, eu sei. Mas eu me preocupo com essas coisas, fazer o quê?! Paciência... Acho que vou ficar triste pelo resto da minha vida... até amanhã, pra ser mais exato...

Então, talvez essa seja a resposta pra minha tristeza: não ter conseguido entender as pessoas. Nenhuma delas eu entendi! Uns são felizes sem nada: sem família, emprego, amizades, saúde... outros, com família, excelente emprego, muitas amizades e perfeita saúde, conseguem ser tão idiotas... Quem poderia entender isso?! Acho que o caráter demasiado humano, do título do livro do Frederico, seja justamente esse: a incompreensibilidade de todos nós, de nossos atos, violências, assassinatos, guerras, fome, pobreza, miséria, problemas, tristeza...

Acho que estou me preocupando demais para o último dia da minha vida. Sou um cara prático, embora não pareça. O fato: amanhã estarei morto. O problema: estou triste. A “questã”: por quê?! Por que diabos estou triste se amanhã estarei morto?! ISSO é que não dá pra entender...

Bom, estão todos convidados: amanhã, 11h, na capela “K” do cemitério municipal. Lenços e cafés por minha conta. Quem for ao meu velório, peço que carimbem o ticket do estacionamento na saída, pois fiz um convênio com o cemitério para liberá-los também desse gasto. Só não me responsabilizo por quem beber cerveja (que também estarei oferecendo, para aqueles que se acham “moderninhos”) e tiver que assoprar o bafômetro numa blitz depois. O Cel. Mendes tá por aí, e vai pegar vocês!! Ele eu também nunca entendi direito... mas a essa altura do campeonato, não vou perder meu tempo com esse sujeito...

Claro que alguns canapés também estão incluídos no serviço de lenços. Não admitiria alguém passando fome enquanto eu estarei lá, deitado, morto, inanimado e sem fome, claro. Fome zero no meu velório!!

Já é quase amanhã, e estou chegando ao final dessa jornada. 66 anos (“sessenta e seis”, não tinha me dado conta do número!!) de inconsistência, tristeza, alegria, angústia, desespero, felicidade, desamparo, despreparo, doenças, curas, livros, filmes, pessoas, covardia... o tempo passa enquanto nem o vemos passar, e estamos sempre reclamando da sua falta. Gozado isso...

Bom, vou pedir uma pizza. A última, prometo! Hehe... Orgulho-me de, à beira da morte, conseguir manter meu sarcasmo!! Metade 6 queijos, metade calabresa gorda com ovo e cebola. Vou pedir uma de chocolate também. Mas pequena, pra não comer demais. Amanhã preciso entrar no terno preto que mandei fazer...

Vou pagar a pizza com cheque, pra ver como farão para descontá-lo. Na verdade, acho que não estarei mais aqui para ver, mas tentarei enxergar do lado de lá... não deixo herdeiros (sempre achei que filhos não significavam a possibilidade de nos perpetuarmos na vida... tanto é que meu mausoléu também já está pronto: isso sim é perpetuação!!), não deixo dívidas, não deixo saldo no banco... não deixo nada, pra dizer bem a verdade. Nem saudades eu deixo. Aliás, tudo isso pra uma meia-dúzia de pessoas que irão ao meu velório amanhã. Sim: o Afonso, do banco (eu era [ou sou, não sei mais] funcionário do Banco do Brasil), a Silvinha, da portaria do prédio (pessoa amarga, mas gente-fina), o Preto (gerente do banco), o Seu Isolde (segurança do banco), e a Dona Margarida, eterna síndica do prédio, que sempre reclamou da minha passividade nas reuniões de condomínio... Pelo menos eles terão um velório digno. Ou melhor: eu terei um velório digno. Eles desfrutarão dessa dignidade...

Chegou a pizza. Mais simbólica, impossível: tudo na minha vida sempre acabou em pizza. Nada como terminar a própria vida em pizza. Fui. Será a minha última janta. Não quero perder mais nem um segundo, pois já perdi todos os outros... Espero não encontrá-los em breve.

Adeus.

sábado, 2 de agosto de 2008

"O Menino do Pijama Listrado": ou "o Não-Lugar do nazismo e a Ética da Alteridade"



Por recomendação de uma querida e estimada amiga, li "O Menino do Pijama Listrado", do irlandês John Boyne (SP: Cia. das Letras, 2007). Geralmente tenho minhas restrições a livros que se encontram em listas de "mais vendidos", mas como se tratava de indicação de uma de minhas amigas que mais respeito, seja pela sua fantástica perspicácia, seja pela sua impressionante capacidade de separar o joio do trigo, não vi motivos para não arriscar.

Advertido por ela de que no início poderia achar o livro um tanto quanto infantil, persisti na leitura por um ou dois capítulos, até ser completamente envolvido pela história. Trata-se de um romance em que o protagonista Bruno, de 9 anos, filho de um comandante nazista, faz amizade com um judeu de mesma idade - Shmuel. Enquanto Bruno está chateado por ter se mudado de Berlin - onde sua casa era ampla e misteriosa o suficiente para nunca o deixar cair no tédio - para "Haja-Vista" (maneira como Bruno entendia "Auschwitz", pois ele nem sempre compreendia o que diziam os adultos), onde sua casa era menor e sem amigos por perto, ele conhece Shmuel, que estava no campo. Quando não tinha nada para fazer, Bruno saiu a "explorar" o local e, por acaso, encontrou seu amigo judeu.

A diferença entre ambos era uma só: Bruno era alemão, e Shmuel, judeu. E o que os afastava era a cerca, que separava esse campo de Auschwitz do resto do mundo. Diante da separação forçada, desenvolveram uma sólida amizade, e Bruno nunca entendeu o motivo de Shmuel não poder atravessar a cerca para brincar com ele.

Antes de mais nada, trata-se de uma inovação em termos de histórias do Holocausto: enquanto muitos relatam as suas experiências do lado de dentro (Primo Levi, na minha opinião, traz a mais importante delas), Bruno narra tudo do lado de fora. Nunca entendeu também qual a razão de todos usarem "o mesmo pijama listrado"...

Sem perceber, igualmente, que seu pai era diretamente ligado ao nazismo, Bruno o via como um ícone, como um herói. O "Führer" era, na compreensão de Bruno, o "Fúria" (mais uma excelente sacada do autor, além de Haja-Vista/Auschwitz), que sempre dava as ordens e era, segundo ele mesmo, "um sujeito muito grosseiro".

Apesar de algumas vezes o autor utilizar estilos lingüísticos extremamente irritantes e da inteligência de Bruno ser um pouco exagerada em alguns momentos para um menino de 9 anos, a riqueza da obra é inegável: trata-se, antes de mais nada, de uma verdadeira aula de ética da alteridade, em que, dos olhos desse mesmo menino, todas as distinções raciais e étnicas "criadas" e "forjadas" pelos seres humanos são, inegavelmente, meras criações absurdas mesmo. Desvinculado de todo e qualquer rótulo ou representação, Bruno percebe que cada pessoa possui seus próprios pensamentos, suas próprias idéias e seus próprios problemas, enxergando no Outro um ser humano como qualquer outro: angustiado, ansioso, feliz, triste, etc. Ao mesmo tempo em que tenta lidar com os seus problemas, Bruno dá voz justamente àqueles que nunca puderam falar, e isso faz com que consiga se encontrar, na melhor concepção ética do termo, com o Outro.

Não avanço mais no relato pra não falar do final - igualmente forte e violento - embora vontade não falte. Apenas confirmei que nem sempre os nossos próprios rótulos para os livros são verdadeiros, e que mesmo um tema já exaustivamente trabalhado pode ser repensado de forma original, uma vez que desde outros olhares.

quarta-feira, 30 de julho de 2008

O Lugar do Advogado na Democracia

Homem. 60 anos. Casado. Boa gente, tranqüilo e simpático. Alegre, informal e transparente. Problemas financeiros na empresa. Empresa interrompe tuas atividades e é interditada pelo Poder Público. Multa de R$ 15.000,00 por não possuir licença ambiental. Ação Civil Pública por descumprimento de termo de ajuste de conduta. Ação penal por crime ambiental. Possibilidade de condenação. Problema. Angústia. Nervosismo. Medo.

Mulher. 65 anos. Viúva. Educada, elegante, emotiva. Disposta, enérgica, espirituosa. Deu azar: flagraram um homem de 40 anos com uma adolescente em seu estabelecimento hoteleiro. Prisão em flagrante: levaram o homem e ela junto. Ação penal. Possibilidade de condenação. Problema. Tristeza. Desespero. Humilhação. Medo.

Homem. 55 anos. Casado. Comerciante. Inventivo, criativo, exótico. Empreendedor. Acusação de envolvimento com jogos de azar. Blefe policial de suposta lavagem de dinheiro. Estabelecimentos lacrados, mesmo sem ordem judicial. Inquérito policial, investigação. Provável ação penal. Problema. Ansiedade. Desamparo. Medo.

Essas pequenas tragédias jurídicas são apenas exemplos isolados do que costuma enfrentar o advogado criminalista. E é engraçado como isso ultrapassa o simples fato de que tal advogado defende tal pessoa em complicado processo penal: muito antes disso, o advogado é, sim, responsável direto na defesa dos interesses de seu cliente, na tentativa de reverter o quadro complicado, na busca do reconhecimento de seus direitos.

E lida, fundamentalmente, com o medo. Basta, para tanto, compreender que não está "apenas trabalhando", mas que está lidando com um problema, um conflito envolvendo seres humanos, e que isso, por si só, basta para justificar toda a atenção e cautela que cada caso apresenta. Não é suficiente saber advogar: é preciso compreender o drama que está diante de si para poder mergulhar na defesa do acusado.

Não se trata, evidentemente, de defender um “animal”, um “criminoso” ou um “bandido”: ninguém quer saber de rótulos. Afinal, somos todos bons e maus ao mesmo tempo - e todos cometemos crimes, como lembra o mestre argentino Zaffaroni. Todo mundo tem direito a defesa, e não vai ser qualquer pressãozinha que vai fazer o advogado deixar de exercer, com todo o seu vigor, a sua profissão.

Retirar do advogado a possibilidade de ampla atuação na defesa de seu cliente é suprimir quinhões significativos de democracia de qualquer país que se pretenda democrático. É voltar a tempos inquisitoriais, em que o advogado era mero “corpo presente”, nada fazia e não se manifestava.

Não se trata de “favorecer a bandidagem”, como querem alguns mal-informados. Trata-se, antes, de possibilitar que todos (e aqui devemos frisar que isso vale para todos MESMO) tenham chances concretas e completas de se defender, pois sempre pode haver um inocente no banco dos réus. E um único inocente já justifica toda a estrutura processual penal, já justifica as prerrogativas do advogado, já justifica os direitos e as garantias constitucionais.

Antes de dizer que o advogado é o defensor do bandido, devemos lembrar que o advogado defende a todos, bandidos ou não - isso não interessa -, pois o que importa é trabalhar para que ninguém seja acusado e condenado sem defesa efetiva, sem amparo e/ou sem processo. É trabalhar para que as pequenas tragédias jurídicas individuais sejam minimizadas ou, sempre que possível, suprimidas da “vida pregressa” do cliente. Até porque, quando menos esperamos, podemos ser acusados da prática de um crime – e aí sim, vamos querer contratar o melhor advogado, com todos os direitos e garantias possíveis – e sem algemas, claro, pois "não somos bandidos". Enquanto não for eu o réu, está tudo bem, e quero mais é que sejam todos condenados. Mas quando a coisa é comigo, aí muda o cenário, o discurso, a visão...

Menos cinismo e mais democracia. É o que precisamos nesses tempos de excesso de prisões, abordagens e arbitrariedades.

domingo, 20 de julho de 2008

O Não-Lugar dos Manuais...

... o problema deles, em específico os jurídicos, é que não nos ensinam a pensar por conta própria, mas nos passam a idéia de que as coisas são simples e que a norma, a regra ou "o diploma legal" resolverá os nossos conflitos...

Me vê mais um antimanual, por favor?!

quinta-feira, 17 de julho de 2008

O Não-Lugar para as Regras na Arte

"Os inimigos obstinados do poeta esgrimirão com muitas argumentações que já não contam. A mim me chamaram de morto de fome na minha juventude. Agora me hostilizam, fazendo crer às pessoas que sou um potentado, dono de uma fabulosa fortuna que, embora não tenha, gostaria de ter, entre outras coisas, para aborrecê-los mais.

Outros medem as linhas de meus versos provando que os divido em pequenos fragmentos ou os alongo demais. Não tem importância alguma. Quem institui os versos mais curtos ou mais longos, mais delicados ou mais largos, mais amarelos ou mais vermelhos? O poeta que os escreve é quem o determina. Determina-o com a respiração e com o sangue, com sua sabedoria e com sua ignorância porque tudo isto entra no pão da poesia.

O poeta que não seja realista está morto. Mas o poeta que seja somente realista está morto também. O poeta que seja somente irracional será entendido só por si mesmo e por sua amada - e isto é bastante triste. O poeta que seja só um racionalista será entendido até pelos asnos - e isto é também sumamente triste. Para tais equações não existem cifras no quadro-negro, não há ingredientes decretados por Deus nem pelo Diabo, mas sim que estes dois personagens importantíssimos mantêm uma luta dentro da poesia e nesta batalha vence ora um e ora outro, mas a poesia não pode ficar derrotada." (grifos meus)

"Confesso que vivi". Memórias de Pablo Neruda. 30ª. ed. Bertrand Brasil: Rio de Janeiro, 2007, pp. 308-309.

domingo, 13 de julho de 2008

O Não-Lugar da Minha Vida II

De nada adianta vivermos em um mundo cujas dimensões nos escapam aos sentidos: como numa atmosfera sem oxigênio, vivemos perdidos entre números e escalas, que apenas representam aquilo que a dureza da ciência calculadora definiu como o tamanho do nosso planeta.
Esse tamanho nada mais representa se podemos atravessar o globo de ponta a ponta em segundos: a comunicação acelerada permite sabermos o que se passa em qualquer canto do planeta, a qualquer hora, seja dia, seja noite. Nada mais escapa, está tudo lá, inscrito no amálgama da superabundância de eventos: o espaço, que antes distanciava as coisas, agora praticamente não existe. Na diminuição do espaço, o crescimento da complexidade é exponencial, e o tempo, resta modificado. As noções não são mais as mesmas, salvo aquelas de tempo absoluto, demarcadas pela fixidez do relógio.

“O mundo da supermodernidade não tem as dimensões exatas daquele no qual pensamos viver, pois vivemos num mundo que ainda não aprendemos a olhar.” Marc Augé. (Não-Lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade. 6. ed. Campinas: Papirus, 2007, p. 37)

Com essa frase, Marc Augé deixa claro que ainda estamos longe de aprendermos a viver não só nesse mundo acelerado e de espaços reduzidos, mas também no mundo dos padrões diferenciados e das estruturas em constante ruínas.
Engraçado pensarmos isso, pois sempre achamos que temos condições de lidar com o que está ao nosso redor. Não é de hoje esse narcisismo, evidente, mas impressiona a facilidade com que alguns pensam os seus problemas e aqueles que podemos considerar “coletivos”... Como se para resolver cada problema, cada crise, tivéssemos uma fórmula mágica que desse conta disso tudo. Ou melhor: um “segredo”, que pode surgir até mesmo de uma espécie de “pensamento mágico coletivo”.
Acho graça da ingenuidade dessa forma de pensar, mas não consigo “rir” dela (como se pudesse rir de qualquer forma de pensar), já que a minha forma, apesar de ser, em princípio, menos ilusória, também se fundamenta em estruturas bastante questionáveis. Aliás, para além de questionável, a minha forma foi responsável direta por tanta desgraça na história, que fico com vergonha de criticar qualquer coisa, pra dizer bem a verdade...
Engraçado mesmo é a insistência naquilo que já matou tanta gente; é persistir lendo os mesmos livros, como se essas leituras – sempre iguais – pudessem nos ajudar a encontrar algo novo. O livro até pode ser o mesmo, mas desde que o leitor seja outro: se não outra pessoa, então “outro leitor”, não aquela mesma pessoa que o leu há pouco tempo e não mudou o suficiente para poder apreender algo de novo naquela mesma leitura. Ou seja: até podemos reler os livros, mas antes nós mesmos temos que mudar.

E como mudar em um mundo em constante transformação? As infinitas mudanças cotidianas darão tempo para que a gente não caia nesse turbilhão e consiga, ainda, “pensar” acerca delas, do que ficou, do que poderá vir?!
Encontrar espaços desvinculados dessa frenética velocidade, que, como uma avalanche, tudo engole, é fundamental. Sair dessa temporalidade supermoderna da aceleração acelerada, parece uma condição para que possamos aprender a olhar o mundo em que vivemos.
Outra dificuldade está em saber se desvincular dos velhos paradigmas e, concomitantemente, conseguir lidar com os novos sem se deixar cair nas armadilhas fáceis das fórmulas mágicas. Para poder pensar sobre isso, fundamental sair desse tempo instantâneo, e buscar aprender aquilo que muitas vezes não conseguimos quando inseridos nessa velocidade contemporânea.

A ilusão da facilidade e da rapidez pega muitos desprevenidos, e os espanta quando “descobrem” que foram enganados. Como se o aprendizado fosse fácil! Não, pelo contrário: aprender cansa, dói, fere, mata. Esqueçam disso se não estiverem dispostos a passar por questionamentos constantes de seus próprios pensamentos, pois o que mais dói, sem dúvida, é reconhecer os nossos próprios erros, é reconhecer a nossa própria falibilidade e saber viver num mundo de diferenças.

Tomo como minha a frase do post anterior: “Não quero ser um filho da puta, que muito fala e nada faz, nada muda... quero pra mim um mundo palpável, possível, belo, humano...”.
Por isso pensar o Outro é uma exigência: para viver com o Outro, só sabendo respeitar as diferenças. E de que adianta respeitar o Outro sem praticar esse respeito? Moral de cueca, papo-furado. E pensar o Outro, no mundo supermoderno de Augé, é o que mais falta: só pensamos em nós mesmos – seja no trânsito, no supermercado, no banco, em casa, na rua, no ar, na terra e no mar. Conseguir escapar desse fluxo temporal alimentado pelo ego e pelo fechamento de si mesmo, pode fazer a diferença.
Saber degustar essa fuga aparece, então, como o grande desafio.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

O Não-Lugar de Alguma(s) Vida(s)...

"Às vezes penso que devia ir pra um outro mundo, um lugar distante, em que a comunicação ou a linguagem não fossem possíveis...
Tento dosar as dores e medir as cores, mas nada indica alívio, remédio, convívio...
Tudo me lembra o oceano dos teus olhos, as estrelas do mar, do céu e do ar... é como se uma onda de luz impedisse a visão, bloqueasse a razão, liberasse a paixão...
A força do cálculo não resiste ao sentido, ao belo, ao amor... tudo se resumiria em números, mas não somos números... tudo se reduziria em classificações, mas não somos classificáveis...
Não quero para mim um mundo em que as pessoas são trocadas por rótulos, representações, opiniões...
Sou demasiado humano para viver sem vida, amar sem amor, morrer sem dor...
Que venha o tempo e faça a minha vida, só não me venha o relógio a contar-me as horas, os dias, as noites... não há tempo mecânico: o tempo é humano, não uma máquina...
Se não há mais flores, cores, sabores, o que está por trás do fim do mundo? Onde estão as pessoas, ternas, fraternas, humanas...? O que fazem escondidas, que não querem que saibam o que se pensa, onde se quer chegar, quem se quer amar...?
Simples demais sair deste mundo, abandonar tudo, partir ao desconhecido, como se nada estivesse em jogo, ninguém estivesse vendo, tudo fosse resumido ao meu instante, ao meu pensar, ao que EU quero...
Vida não é vida sem o outro. Não adianta querer impor, postergar, exigir, ter rigor... importa pensar que do lado de lá há outro, há vida, sonhos, esperanças, dores, amores, temores...
Não quero ser um filho da puta, que muito fala e nada faz, nada muda... quero pra mim um mundo palpável, possível, belo, humano...
Para o sentido de tudo isso, não há caminho, saída, resposta... acho que 'foi o seu olhar, o que me encantou, quero um pouco mais, desse seu amor...' (Seu Jorge)."

terça-feira, 8 de julho de 2008

"Poesia e Polícia"

"Certa vez na Isla Negra a empregada nos disse: 'Senhora, D. Pablo, estou prenha.' Depois teve um menino. Nunca soubemos quem era o pai. A ela não importava. O que lhe importava, isto sim, é que Matilde e eu fôssemos padrinhos da criança. Mas não foi possível, não pudemos. A igreja mais próxima está em El Tabo, uma aldeola sorridente onde pusemos gasolina na camioneta. O padre se eriçou como um porco-espinho. Um padrinho comunista? Jamais! Neruda não entrará por esta porta ainda que leve teu filho nos braços. A empregada voltou para suas vassouras na casa, cabisbaixa. Não compreendia.

Em outra ocasião vi D. Asterio sofrer. É um velho relojoeiro, já bastante idoso e o melhor cronometrista de Valparaíso. Repara todos os cronômetros da Armada. Sua mulher, sua velha companheira de cinqüenta anos de casamento, estava morrendo. Achei que devia escrever alguma coisa sobre ele, algo que o consolasse um pouco em tão grande aflição, que ele pudesse ler para sua esposa agonizante. Assim pensei, não sei se tinha razão, mas escrevi o poema, pondo nele minha admiração e minha emoção pelo artesão e seu artesanato, por aquela vida tão pura entre todos os tique-taques dos velhos relógios. Sarita Vial o levou ao jornal La Unión, dirigido por um senhor Pascal. O senhor Pascal é sacerdote, não quis publicá-lo; o poema não seria publicado. Neruda, seu autor, é um comunista excomungado. Não quis. Morreu a senhora, a velha companheira de D. Asterio. E o sacerdote não publicou o poema.

Quero viver num mundo sem excomungados. Não excomungarei ninguém. Não diria amanhã a esse sacerdote: 'O senhor não pode batizar ninguém porque é anticomunista.' Não diria a outro: 'Não publicarei seu poema, sua criação, porque o senhor é anticomunista.' Quero viver num mundo em que os seres sejam somente humanos sem outros títulos a não ser estes, sem serem golpeados na cabeça com uma régua, com uma palavra, com um rótulo. Quero que se possa entrar em todas as igrejas e em todas as gráficas. Quero que não haja mais ninguém para esperar as pessoas à porta da prefeitura para detê-las e expulsá-las. Quero que todos entrem e saiam do Palácio Municipal sorridentes. Não quero que ninguém fuja de gôndola, que ninguém seja perseguido de motocicleta. Quero que a grande maioria, a única maioria, todos possam falar, ler, escutar, florescer. Nunca entendi a luta senão para que esta termine. Nunca entendi o rigor senão para que o rigor não exista. Tomei um caminho porque acredito que esse caminho nos leva, a todos, a essa amabilidade duradoura. Luto por essa bondade ubíqua, extensa, inesgotável. De tantos encontros entre minha poesia e a polícia, de todos estes episódios e de outros (...), fica-me no entanto uma fé absoluta no destino humano, uma convicção cada vez mais consciente de que nos aproximamos de uma grande ternura. Escrevo sabendo que sobre nossas cabeças, sobre todas as cabeças, existe o perigo da bomba, da catástrofe nuclear que não deixaria ninguém nem nada sobre a terra. Pois bem, isto não altera minha esperança. Neste minuto crítico, neste pestanejar de agonia, sabemos que entrará a luz definitiva pelos olhos entreabertos. Todos nos entenderemos, progrediremos juntos, e esta esperança é irrevogável."

"Confesso que vivi". Memórias de Pablo Neruda. 30ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007, p. 266-268.

quinta-feira, 3 de julho de 2008

O Não-Lugar da (Im)Parcialidade e da (Des)Informação

Sob o mofado argumento de estar apenas "informando", a reportagem pré-julga pessoas de forma escancarada. Uma leitura desatenta não nos deixa perceber que a linguagem utilizada é clara e manifestamente enganadora, uma vez que chama pessoas que NUNCA foram julgadas pelos SUPOSTOS crimes que TALVEZ viessem a cometer (segundo informações da BM e da PC) de bandidas.
Lamentável a forma como o jornaleco dos pampas trata seus leitores: como verdadeiros idiotas, que não enxergam a péssima qualidade de seu jornalismo. Informar é uma coisa, condenar pessoas antecipadamente é outra. Ou chama de suspeito/cidadão, ou não faz a reportagem.

Tá aí: http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default.jsp?uf=1&local=1&section=Geral&newsID=a2016497.xml

Fui!!

segunda-feira, 30 de junho de 2008

Yamandu Costa em POA!


Esta noite, no Salão de Atos da Ufrgs, tive a oportunidade de assistir ao show de lançamento do CD "Tokyo Session", do Yamandu Costa, gravado ao vivo (em estúdio) no Japão em 2005. Cada dia melhor, ele consegue se superar a cada nota, a cada arranjo, a cada improviso...

A harmonia entre os integrantes do trio impressiona: parece que o som sai de apenas uma pessoa, e não de 3, tamanho o entrosamento entre eles. Além de Yamandu, compõem o trio Thiago do Espírito Santo (contrabaixo) e Edu Ribeiro (bateria).

Não é à toa que o cara toca em todos os cantos do mundo: ele abusa do violão com uma facilidade que beira o absurdo! Não dá pra acreditar!! Sem falar na capacidade de improvisação, que merece ser muito destacada: não dá pra saber, em momento algum, qual vai ser a nota seguinte! Até tentamos imaginar, mas o cara sempre "sai pela tangente", e de uma forma totalmente harmônica e genial! Daí a importância do entrosamento entre os integrantes do trio: se eles não se entendessem, queria ver um acompanhar o outro nesses devaneios...

Fora de série!! Quem puder assistir, que não perca a chance!

sábado, 28 de junho de 2008

O "Efeito" Mendes

http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a2008552.xml&template=3898.dwt&edition=10158&section=807

Eu li a reportagem e depois fiquei me perguntando: o que o jornaleco ganha com esse tipo de matéria? Proteção especial na esquina da Ipiranga com a Érico Veríssimo? "Blindagem" de seus carros nas tais "abordagens"? Não entendi... acho que sou muito ingênuo pra essas coisas...

Típica palavra de um país totalitário, quando as pessoas realmente não podem circular sem serem obrigadas a uma abordagem policial "de rotina", o verbo da vez é abordar. Mas o mais engraçado é a estatística que comprova, de forma cabal, o "efeito Mendes":

"Há 18 meses, quando foi alçado ao segundo mais alto posto da Brigada Militar, o coronel Paulo Roberto Mendes convivia com uma marca histórica de furto e roubo de carros no Rio Grande do Sul: 92 veículos levados, em média, a cada dia.
Foi do oficial a ordem para que a corporação reagisse. Como estratégia principal, aumentar o número de abordagens.
De 9 mil motoristas parados por dia, em média, a BM saltou para um desempenho seis vezes superior - 55 mil abordagens a cada 24 horas. Resultado: os roubos e furtos de automóveis desceram para 82 ao dia."

Resumindo: em uma complexa operação mental de causa-e-efeito, leva-se o leitor desatento à conclusão de que a redução de 10,86% nos roubos e furtos de automóveis é resultado da enérgica e exemplar postura do Xerife! Brilhante!! Novas precauções dos motoristas, utilizar estacionamentos, adoção de novos métodos antifurto, dentre outras várias possibilidades concretas de ação por parte dos cidadãos realmente não devem ter interferido nessa redução...

O problema não é nem fazer esse raciocínio (curto, grosso e falacioso), mas considerar as pessoas como meros objetos, que estão à espera da solução milagrosa que, inexoravelmente, deverá vir do sujeito. Ou seja: de nada adianta as pessoas pensarem sobre a questão e adotarem novas atitudes, pois tudo, absolutamente TUDO é feito pelos órgãos públicos, nossos protetores leais e fiéis, que nos censuram com todo amor, para lembrar de Legendre...

E o dado também chega a ser meio estranho: redução de 92 para 82 carros roubados ou furtados por dia. Toda redução já é um bom sinal, mas não podemos justificar métodos e ações apenas com base em números, sob pena de legitimarmos muita merda histórica que já foi feita pelo iluminado ser humano. Além do mais, não podemos ignorar que uma variação de 10% em qualquer dado estatístico pode ter inúmeras, infinitas causas. Chega a ser ridículo ler uma reportagem dessas e chegar a acreditar que esses métodos (antiquados, autoritários e ilusórios) realmente produzem o efeito esperado. Evidente que algumas pessoas serão presas (afinal, "todos somos criminosos", já dizia Zaffaroni), e foragidos eventualmente são recapturados. Evidente! O que não dá pra querer é pensar que o tal "efeito Mendes" serve para alguma coisa...

ENGODO!

segunda-feira, 23 de junho de 2008

O Não-Lugar... ou seria O Lugar?!

Quando se criminaliza tudo, as conseqüências são as mais diversas possíveis! Dentre elas, algumas inesperadas e, talvez por isso mesmo, absolutamente cômicas!

Fico imaginando como vai ser no carnaval, quando todos, eu digo TODOS os motoristas sairão bêbados dos bailes e festas de carnaval: onde será que vão "tirar a água do joelho"? As autoridades já devem estar providenciando banheiros químicos para colocar nas delegacias de todo o país. É esperar para ver...

Enquanto os banheiros não vêm, em Porto Alegre, o pessoal está dando um jeito: http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a1947864.xml&template=3898.dwt&edition=10012&section=67

quinta-feira, 19 de junho de 2008

"Puberdade", de Edward Munch (1895)


Não tenho muito o que dizer. Cada um tem que olhar e pensar o que achar melhor. O cara era foda...

quarta-feira, 18 de junho de 2008

O Não-Lugar da Prisão Preventiva


Qualquer semelhança provavelmente não é mera coincidência...

terça-feira, 17 de junho de 2008

O Não-Lugar da Exclusão

É engraçada a tentativa de vínculo entre movimentos sociais e criminalidade que esse jornaleco tenta fazer... impressiona a infantilidade na forma de aborgadem (causa e efeito).
Será mesmo infantilidade? Acho que eles são é muito vivos, isso sim...

Algumas observações
:
(a) tudo feito sem a presença de advogado, claro! Não sou corporativista, mas é patético achar que a presença de juízes e promotores serve como garantia de que a coisa será feita da melhor forma possível. O advogado também não garante muita coisa, mas pelo menos está, assumidamente, ao lado dessas pessoas e em condições de defender os direitos de seus assistidos. A notícia de que a juíza que prolatou a decisão esteve por lá, conversando com os integrantes do movimento, é verdadeiramente um alento! Tomara que essa sensibilidade consiga se expandir para outras/os magistradas/os, para que compreendam a função eminentemente humana que exercem. E que sirva também aos promotores e advogados, lógico;
(b) não estou contestando a decisão judicial, que mandou retirar as pessoas daquele lugar. Não estou falando disso! Estou querendo enfatizar a postura absolutamente patética da reportagem. Ainda que simpatize com praticamente todos os movimentos sociais, não desconheço que pecam em alguns sentidos...
(c) o último parágrafo da reportagem me causa calafrios toda vez que o (re)leio... esse tipo de abordagem não beneficia nem o dono das terras! Evidente que parece uma reportagem comprada, daquelas encomendadas, tamanho o desprezo pela inteligência de um leitor mais atento... mas em se tratando de mídia, e de mídia de amplo alcance como o jornaleco em questão, parece mais um caso de absoluto despreparo jornalístico...
(d) pelo fato dos movimentos sociais não possuírem reconhecimento jurídico, eles só conseguem isso mesmo: a porrada do direito, e de preferência do direito penal... repito: não estou falando dessa ou daquela decisão, mas do ordenamento jurídico como um todo! Uma pena que seja mais um grave e complexo problema social que recebe esse escamoteamento público... sempre o bendito (ou seria maldito?) direito penal que acaba sendo chamado pra "resolver" essas coisas... Eu tenho é pena dessa sociedade das penas...

"Alteridade e Ética"


"Alteridade e Ética", obra comemorativa dos 100 anos de nascimento de Emmanuel Levinas, organizada pelos amigos e professores Ricardo Timm de Souza, André Brayner de Farias e Marcelo Fabri. Porto Alegre: Edipucrs, 2008.

O Não-Lugar da Minha Vida

O Não-Lugar se dispõe a pensar, criar e subverter. Espaço para devaneios de filosofia, direito, política, futebol, arte e assuntos afins, nele queremos expressar algumas de nossas angústias, nossos anseios e tudo mais que possa interessar àqueles que não estão mais dispostos a aceitar a eventualidade da vida de forma passiva e asséptica. Só não me venham com aquele papinho de "pulseirinhas VIP" que certamente nos entenderemos...

Antes de buscar respostas, estamos atrás de novas dúvidas. As certezas deixamos para o Lugar... Não temos regras. Não criamos padrões nem modelos. Queremos justamente os antipadrões, as antiregras e os antimodelos. Queremos, em suma, mais antimanuais!

Como diria Neruda, "acho que não nasci para condenar, mas para amar". Se a vida é feita de flores, eu não sei. O que sei é que mais vivemos de dores e de temores antes que de amores. Esperamos criar, aqui, o não-lugar da vidinha encantada do condomínio fechado, da plasticidade mecânica do pensamento unitário, da monotonia privada da vida blindada, do sabor velado da cerveja sem álcool e da imposição diária do terror legitimado.