terça-feira, 28 de julho de 2009

Diálogos I

- Porra... ontem algum filho da puta roubou o meu estepe ali na Lima e Silva! E o meu carro tava bem na frente do bar ali...

- Bah, o teu carro novo aquele? Que merda, hein?!

- Pois é... recém tirei ele da concessionária, e me aparece um ladrão de merda pra roubar a bosta do estepe...

- E o que tu fez? Tá andando sem?

- Nah, comprei outro.

- Quanto tu pagou?

- 120 pila.

- Barbada!! Onde tu achou por esse preço?!

- Num anúncio que vi no jornal.

- 120 conto... barbada mesmo!! Onde fica a loja?

- Não sei, o cara mandou entregar lá em casa.

- Pior que deve ser ele mesmo que rouba, tá ligado?

- Aha...

sábado, 18 de julho de 2009

O Não-Lugar da Minha Vida IV


Para uma Amiga.


Apesar daquilo que nos contam, João e Maria nunca foram irmãos. Na verdade, sequer se conheciam, até que, num dia bastante esquisito, atraídos por um discurso fascinante que os conduziu para um mundo de fantasias, acabaram se encontrando: João, um pouco mais velho, falava bastante; Maria, mais nova que ele (e naturalmente mais inteligente), mais ouvia do que falava. Como uma luz que penetra a escuridão – ou como uma escuridão que penetra a luz – seus diálogos tomaram formas e proporções antes inimagináveis: apesar de não se conhecerem, uma harmonização de idéias e pensamentos foi mais forte do que eles, e ali, naquele momento, estava instituída a dúvida, a incerteza, a possibilidade de transgressão e, portanto, a beleza da vida: naquele instante, nasceram de novo.

Em meio a um mundo pleno de mentiras e de pura alucinação, na cauda da turbulenta situação em que se encontravam, houve então algo que lhes deu força para ir atrás do desconhecido, de uma possibilidade – mesmo que remota – de saída dessa virulenta armadilha sem solução em que se perceberam: acuados pela compressão do espaço e pela violência do tempo, pensaram que pouco poderiam fazer, mesmo que um desejo maior lhes esmagasse vertiginosamente. Uma única oportunidade de vida lhes era possível, e não a desperdiçaram: João nunca escondeu a sua intenção, mas foi Maria quem deu o passo decisivo. Porém, ao contrário do que imaginavam, sua tentativa não foi bem sucedida: ao passo que Maria temia pelo que não sabia (e pelo que sabia que estaria em jogo), João temia por coisas outras, e ambos tiveram suas expectativas roubadas pela imposição da velocidade em que viviam: ela, pelo insucesso da tentativa; ele, pela impossibilidade de ter agido de outra forma. Dalí em diante, deixaram-se consumir pelo discurso que se autoproclamava Salvador e que, naqueles primeiros momentos, mostrava-se mesmo fascinante, mas que, passado algum tempo, exibiu toda a sua perversão e a sua leviandade. Envolvidos pela facilidade da Razão e pela comodidade do Mesmo, optaram por ignorar o que jamais havia sido dito: era mais fácil assim, não havia motivo forte o suficiente para fazer-lhes agir de outro modo. Nem mesmo o amor que parecia surgir nas suas vidas parecia-lhes forte o bastante para enfrentar tudo aquilo que lhes era imposto. Como memórias desaparecidas, como histórias que não cansamos de escutar, como num sonho que não mais quer acabar, perceberam a ingenuidade da tentativa de vida e se deixaram engolir pelo fluxo acelerado da situação e deixaram de pensar em algo que, mesmo que remotamente, pudesse concretizar aquilo com que sempre sonharam: acomodados e conformados, seguiram seus diálogos, mas sempre a uma certa distância e precavidos para que nunca mais tentassem algo que não fosse oficialmente aceito, pois isso poderia lhes trazer sérios problemas – incluindo eventuais perseguições, como sempre acontece com quem ousa ser minimamente diferente.

Completamente sugados pelo tempo e pela igualdade, João e Maria seguiram suas vidas e, cada um à sua forma, viveram o que foram obrigados a viver. Nunca, porém, esqueceram daquele dia, em que ousaram concretizar os seus desejos, mas que, por pura falta de sensibilidade para o que ali havia de errado, acabou por nunca se concretizar. A não-percepção de tudo o que os envolveu fez com que cada um sentisse a situação apenas ao seu próprio modo, e foi justamente a ausência absoluta de comunicação – que, em princípio, era exatamente o ponto mais forte entre eles – que determinou, com toda a sua força temporal, a impossibilidade de concretização de seus sonhos.

Entretanto, sem o perceber, João e Maria foram condenados à pena perpétua de jamais conseguir deixar de sonhar...

quarta-feira, 15 de julho de 2009

sábado, 4 de julho de 2009

Josué e os Direitos Fundamentais (II): sobre a inexistência da memória.

Por mais que nos seja humanamente permitido tentar, jamais conseguiremos: há algo profundamente radicado em nós mesmos que não pode ser descolado, descartado, desmembrado. Nada consegue ser assim, tão forte, resistente e duradouro, e que não deixa sequer uma ínfima chance para que possamos ser sem Ela: a nossa própria maneira de ver é verticalmente por Ela estruturada, visualizada, verbalizada...
Na minha leitura d’O Inumano, de Lyotard, penso que é um exercício inútil tentar pensar sem Ela. Mesmo debaixo de sóis escaldantes, em que tudo o que consegue permanecer é apenas a pena dos inconscientes e o resto inútil dos conscientes, Ela insiste: forte, nua, crua. Nenhuma consciência poderá ser capaz de descrever conscientemente a sua força, e menos ainda a sua fraqueza. Negar a sua pulsão é propriamente a derrota do reconhecimento: ao reconhecer, eu simplesmente não conheço, mas encontro a mim mesmo nesse algo ou alguém que não sou - e as minhas limitações, que deveriam ser expostas, restam encobertas, ficando eu comigo mesmo e toda a minha mediocridade. Ela é o tempo que dura, que vive: é a própria condição de vida, cuja existência antes me constitui do que me extermina. Nada mais do que intensa e pura persistência...

(continua)