quarta-feira, 30 de julho de 2008

O Lugar do Advogado na Democracia

Homem. 60 anos. Casado. Boa gente, tranqüilo e simpático. Alegre, informal e transparente. Problemas financeiros na empresa. Empresa interrompe tuas atividades e é interditada pelo Poder Público. Multa de R$ 15.000,00 por não possuir licença ambiental. Ação Civil Pública por descumprimento de termo de ajuste de conduta. Ação penal por crime ambiental. Possibilidade de condenação. Problema. Angústia. Nervosismo. Medo.

Mulher. 65 anos. Viúva. Educada, elegante, emotiva. Disposta, enérgica, espirituosa. Deu azar: flagraram um homem de 40 anos com uma adolescente em seu estabelecimento hoteleiro. Prisão em flagrante: levaram o homem e ela junto. Ação penal. Possibilidade de condenação. Problema. Tristeza. Desespero. Humilhação. Medo.

Homem. 55 anos. Casado. Comerciante. Inventivo, criativo, exótico. Empreendedor. Acusação de envolvimento com jogos de azar. Blefe policial de suposta lavagem de dinheiro. Estabelecimentos lacrados, mesmo sem ordem judicial. Inquérito policial, investigação. Provável ação penal. Problema. Ansiedade. Desamparo. Medo.

Essas pequenas tragédias jurídicas são apenas exemplos isolados do que costuma enfrentar o advogado criminalista. E é engraçado como isso ultrapassa o simples fato de que tal advogado defende tal pessoa em complicado processo penal: muito antes disso, o advogado é, sim, responsável direto na defesa dos interesses de seu cliente, na tentativa de reverter o quadro complicado, na busca do reconhecimento de seus direitos.

E lida, fundamentalmente, com o medo. Basta, para tanto, compreender que não está "apenas trabalhando", mas que está lidando com um problema, um conflito envolvendo seres humanos, e que isso, por si só, basta para justificar toda a atenção e cautela que cada caso apresenta. Não é suficiente saber advogar: é preciso compreender o drama que está diante de si para poder mergulhar na defesa do acusado.

Não se trata, evidentemente, de defender um “animal”, um “criminoso” ou um “bandido”: ninguém quer saber de rótulos. Afinal, somos todos bons e maus ao mesmo tempo - e todos cometemos crimes, como lembra o mestre argentino Zaffaroni. Todo mundo tem direito a defesa, e não vai ser qualquer pressãozinha que vai fazer o advogado deixar de exercer, com todo o seu vigor, a sua profissão.

Retirar do advogado a possibilidade de ampla atuação na defesa de seu cliente é suprimir quinhões significativos de democracia de qualquer país que se pretenda democrático. É voltar a tempos inquisitoriais, em que o advogado era mero “corpo presente”, nada fazia e não se manifestava.

Não se trata de “favorecer a bandidagem”, como querem alguns mal-informados. Trata-se, antes, de possibilitar que todos (e aqui devemos frisar que isso vale para todos MESMO) tenham chances concretas e completas de se defender, pois sempre pode haver um inocente no banco dos réus. E um único inocente já justifica toda a estrutura processual penal, já justifica as prerrogativas do advogado, já justifica os direitos e as garantias constitucionais.

Antes de dizer que o advogado é o defensor do bandido, devemos lembrar que o advogado defende a todos, bandidos ou não - isso não interessa -, pois o que importa é trabalhar para que ninguém seja acusado e condenado sem defesa efetiva, sem amparo e/ou sem processo. É trabalhar para que as pequenas tragédias jurídicas individuais sejam minimizadas ou, sempre que possível, suprimidas da “vida pregressa” do cliente. Até porque, quando menos esperamos, podemos ser acusados da prática de um crime – e aí sim, vamos querer contratar o melhor advogado, com todos os direitos e garantias possíveis – e sem algemas, claro, pois "não somos bandidos". Enquanto não for eu o réu, está tudo bem, e quero mais é que sejam todos condenados. Mas quando a coisa é comigo, aí muda o cenário, o discurso, a visão...

Menos cinismo e mais democracia. É o que precisamos nesses tempos de excesso de prisões, abordagens e arbitrariedades.

domingo, 20 de julho de 2008

O Não-Lugar dos Manuais...

... o problema deles, em específico os jurídicos, é que não nos ensinam a pensar por conta própria, mas nos passam a idéia de que as coisas são simples e que a norma, a regra ou "o diploma legal" resolverá os nossos conflitos...

Me vê mais um antimanual, por favor?!

quinta-feira, 17 de julho de 2008

O Não-Lugar para as Regras na Arte

"Os inimigos obstinados do poeta esgrimirão com muitas argumentações que já não contam. A mim me chamaram de morto de fome na minha juventude. Agora me hostilizam, fazendo crer às pessoas que sou um potentado, dono de uma fabulosa fortuna que, embora não tenha, gostaria de ter, entre outras coisas, para aborrecê-los mais.

Outros medem as linhas de meus versos provando que os divido em pequenos fragmentos ou os alongo demais. Não tem importância alguma. Quem institui os versos mais curtos ou mais longos, mais delicados ou mais largos, mais amarelos ou mais vermelhos? O poeta que os escreve é quem o determina. Determina-o com a respiração e com o sangue, com sua sabedoria e com sua ignorância porque tudo isto entra no pão da poesia.

O poeta que não seja realista está morto. Mas o poeta que seja somente realista está morto também. O poeta que seja somente irracional será entendido só por si mesmo e por sua amada - e isto é bastante triste. O poeta que seja só um racionalista será entendido até pelos asnos - e isto é também sumamente triste. Para tais equações não existem cifras no quadro-negro, não há ingredientes decretados por Deus nem pelo Diabo, mas sim que estes dois personagens importantíssimos mantêm uma luta dentro da poesia e nesta batalha vence ora um e ora outro, mas a poesia não pode ficar derrotada." (grifos meus)

"Confesso que vivi". Memórias de Pablo Neruda. 30ª. ed. Bertrand Brasil: Rio de Janeiro, 2007, pp. 308-309.

domingo, 13 de julho de 2008

O Não-Lugar da Minha Vida II

De nada adianta vivermos em um mundo cujas dimensões nos escapam aos sentidos: como numa atmosfera sem oxigênio, vivemos perdidos entre números e escalas, que apenas representam aquilo que a dureza da ciência calculadora definiu como o tamanho do nosso planeta.
Esse tamanho nada mais representa se podemos atravessar o globo de ponta a ponta em segundos: a comunicação acelerada permite sabermos o que se passa em qualquer canto do planeta, a qualquer hora, seja dia, seja noite. Nada mais escapa, está tudo lá, inscrito no amálgama da superabundância de eventos: o espaço, que antes distanciava as coisas, agora praticamente não existe. Na diminuição do espaço, o crescimento da complexidade é exponencial, e o tempo, resta modificado. As noções não são mais as mesmas, salvo aquelas de tempo absoluto, demarcadas pela fixidez do relógio.

“O mundo da supermodernidade não tem as dimensões exatas daquele no qual pensamos viver, pois vivemos num mundo que ainda não aprendemos a olhar.” Marc Augé. (Não-Lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade. 6. ed. Campinas: Papirus, 2007, p. 37)

Com essa frase, Marc Augé deixa claro que ainda estamos longe de aprendermos a viver não só nesse mundo acelerado e de espaços reduzidos, mas também no mundo dos padrões diferenciados e das estruturas em constante ruínas.
Engraçado pensarmos isso, pois sempre achamos que temos condições de lidar com o que está ao nosso redor. Não é de hoje esse narcisismo, evidente, mas impressiona a facilidade com que alguns pensam os seus problemas e aqueles que podemos considerar “coletivos”... Como se para resolver cada problema, cada crise, tivéssemos uma fórmula mágica que desse conta disso tudo. Ou melhor: um “segredo”, que pode surgir até mesmo de uma espécie de “pensamento mágico coletivo”.
Acho graça da ingenuidade dessa forma de pensar, mas não consigo “rir” dela (como se pudesse rir de qualquer forma de pensar), já que a minha forma, apesar de ser, em princípio, menos ilusória, também se fundamenta em estruturas bastante questionáveis. Aliás, para além de questionável, a minha forma foi responsável direta por tanta desgraça na história, que fico com vergonha de criticar qualquer coisa, pra dizer bem a verdade...
Engraçado mesmo é a insistência naquilo que já matou tanta gente; é persistir lendo os mesmos livros, como se essas leituras – sempre iguais – pudessem nos ajudar a encontrar algo novo. O livro até pode ser o mesmo, mas desde que o leitor seja outro: se não outra pessoa, então “outro leitor”, não aquela mesma pessoa que o leu há pouco tempo e não mudou o suficiente para poder apreender algo de novo naquela mesma leitura. Ou seja: até podemos reler os livros, mas antes nós mesmos temos que mudar.

E como mudar em um mundo em constante transformação? As infinitas mudanças cotidianas darão tempo para que a gente não caia nesse turbilhão e consiga, ainda, “pensar” acerca delas, do que ficou, do que poderá vir?!
Encontrar espaços desvinculados dessa frenética velocidade, que, como uma avalanche, tudo engole, é fundamental. Sair dessa temporalidade supermoderna da aceleração acelerada, parece uma condição para que possamos aprender a olhar o mundo em que vivemos.
Outra dificuldade está em saber se desvincular dos velhos paradigmas e, concomitantemente, conseguir lidar com os novos sem se deixar cair nas armadilhas fáceis das fórmulas mágicas. Para poder pensar sobre isso, fundamental sair desse tempo instantâneo, e buscar aprender aquilo que muitas vezes não conseguimos quando inseridos nessa velocidade contemporânea.

A ilusão da facilidade e da rapidez pega muitos desprevenidos, e os espanta quando “descobrem” que foram enganados. Como se o aprendizado fosse fácil! Não, pelo contrário: aprender cansa, dói, fere, mata. Esqueçam disso se não estiverem dispostos a passar por questionamentos constantes de seus próprios pensamentos, pois o que mais dói, sem dúvida, é reconhecer os nossos próprios erros, é reconhecer a nossa própria falibilidade e saber viver num mundo de diferenças.

Tomo como minha a frase do post anterior: “Não quero ser um filho da puta, que muito fala e nada faz, nada muda... quero pra mim um mundo palpável, possível, belo, humano...”.
Por isso pensar o Outro é uma exigência: para viver com o Outro, só sabendo respeitar as diferenças. E de que adianta respeitar o Outro sem praticar esse respeito? Moral de cueca, papo-furado. E pensar o Outro, no mundo supermoderno de Augé, é o que mais falta: só pensamos em nós mesmos – seja no trânsito, no supermercado, no banco, em casa, na rua, no ar, na terra e no mar. Conseguir escapar desse fluxo temporal alimentado pelo ego e pelo fechamento de si mesmo, pode fazer a diferença.
Saber degustar essa fuga aparece, então, como o grande desafio.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

O Não-Lugar de Alguma(s) Vida(s)...

"Às vezes penso que devia ir pra um outro mundo, um lugar distante, em que a comunicação ou a linguagem não fossem possíveis...
Tento dosar as dores e medir as cores, mas nada indica alívio, remédio, convívio...
Tudo me lembra o oceano dos teus olhos, as estrelas do mar, do céu e do ar... é como se uma onda de luz impedisse a visão, bloqueasse a razão, liberasse a paixão...
A força do cálculo não resiste ao sentido, ao belo, ao amor... tudo se resumiria em números, mas não somos números... tudo se reduziria em classificações, mas não somos classificáveis...
Não quero para mim um mundo em que as pessoas são trocadas por rótulos, representações, opiniões...
Sou demasiado humano para viver sem vida, amar sem amor, morrer sem dor...
Que venha o tempo e faça a minha vida, só não me venha o relógio a contar-me as horas, os dias, as noites... não há tempo mecânico: o tempo é humano, não uma máquina...
Se não há mais flores, cores, sabores, o que está por trás do fim do mundo? Onde estão as pessoas, ternas, fraternas, humanas...? O que fazem escondidas, que não querem que saibam o que se pensa, onde se quer chegar, quem se quer amar...?
Simples demais sair deste mundo, abandonar tudo, partir ao desconhecido, como se nada estivesse em jogo, ninguém estivesse vendo, tudo fosse resumido ao meu instante, ao meu pensar, ao que EU quero...
Vida não é vida sem o outro. Não adianta querer impor, postergar, exigir, ter rigor... importa pensar que do lado de lá há outro, há vida, sonhos, esperanças, dores, amores, temores...
Não quero ser um filho da puta, que muito fala e nada faz, nada muda... quero pra mim um mundo palpável, possível, belo, humano...
Para o sentido de tudo isso, não há caminho, saída, resposta... acho que 'foi o seu olhar, o que me encantou, quero um pouco mais, desse seu amor...' (Seu Jorge)."

terça-feira, 8 de julho de 2008

"Poesia e Polícia"

"Certa vez na Isla Negra a empregada nos disse: 'Senhora, D. Pablo, estou prenha.' Depois teve um menino. Nunca soubemos quem era o pai. A ela não importava. O que lhe importava, isto sim, é que Matilde e eu fôssemos padrinhos da criança. Mas não foi possível, não pudemos. A igreja mais próxima está em El Tabo, uma aldeola sorridente onde pusemos gasolina na camioneta. O padre se eriçou como um porco-espinho. Um padrinho comunista? Jamais! Neruda não entrará por esta porta ainda que leve teu filho nos braços. A empregada voltou para suas vassouras na casa, cabisbaixa. Não compreendia.

Em outra ocasião vi D. Asterio sofrer. É um velho relojoeiro, já bastante idoso e o melhor cronometrista de Valparaíso. Repara todos os cronômetros da Armada. Sua mulher, sua velha companheira de cinqüenta anos de casamento, estava morrendo. Achei que devia escrever alguma coisa sobre ele, algo que o consolasse um pouco em tão grande aflição, que ele pudesse ler para sua esposa agonizante. Assim pensei, não sei se tinha razão, mas escrevi o poema, pondo nele minha admiração e minha emoção pelo artesão e seu artesanato, por aquela vida tão pura entre todos os tique-taques dos velhos relógios. Sarita Vial o levou ao jornal La Unión, dirigido por um senhor Pascal. O senhor Pascal é sacerdote, não quis publicá-lo; o poema não seria publicado. Neruda, seu autor, é um comunista excomungado. Não quis. Morreu a senhora, a velha companheira de D. Asterio. E o sacerdote não publicou o poema.

Quero viver num mundo sem excomungados. Não excomungarei ninguém. Não diria amanhã a esse sacerdote: 'O senhor não pode batizar ninguém porque é anticomunista.' Não diria a outro: 'Não publicarei seu poema, sua criação, porque o senhor é anticomunista.' Quero viver num mundo em que os seres sejam somente humanos sem outros títulos a não ser estes, sem serem golpeados na cabeça com uma régua, com uma palavra, com um rótulo. Quero que se possa entrar em todas as igrejas e em todas as gráficas. Quero que não haja mais ninguém para esperar as pessoas à porta da prefeitura para detê-las e expulsá-las. Quero que todos entrem e saiam do Palácio Municipal sorridentes. Não quero que ninguém fuja de gôndola, que ninguém seja perseguido de motocicleta. Quero que a grande maioria, a única maioria, todos possam falar, ler, escutar, florescer. Nunca entendi a luta senão para que esta termine. Nunca entendi o rigor senão para que o rigor não exista. Tomei um caminho porque acredito que esse caminho nos leva, a todos, a essa amabilidade duradoura. Luto por essa bondade ubíqua, extensa, inesgotável. De tantos encontros entre minha poesia e a polícia, de todos estes episódios e de outros (...), fica-me no entanto uma fé absoluta no destino humano, uma convicção cada vez mais consciente de que nos aproximamos de uma grande ternura. Escrevo sabendo que sobre nossas cabeças, sobre todas as cabeças, existe o perigo da bomba, da catástrofe nuclear que não deixaria ninguém nem nada sobre a terra. Pois bem, isto não altera minha esperança. Neste minuto crítico, neste pestanejar de agonia, sabemos que entrará a luz definitiva pelos olhos entreabertos. Todos nos entenderemos, progrediremos juntos, e esta esperança é irrevogável."

"Confesso que vivi". Memórias de Pablo Neruda. 30ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007, p. 266-268.

quinta-feira, 3 de julho de 2008

O Não-Lugar da (Im)Parcialidade e da (Des)Informação

Sob o mofado argumento de estar apenas "informando", a reportagem pré-julga pessoas de forma escancarada. Uma leitura desatenta não nos deixa perceber que a linguagem utilizada é clara e manifestamente enganadora, uma vez que chama pessoas que NUNCA foram julgadas pelos SUPOSTOS crimes que TALVEZ viessem a cometer (segundo informações da BM e da PC) de bandidas.
Lamentável a forma como o jornaleco dos pampas trata seus leitores: como verdadeiros idiotas, que não enxergam a péssima qualidade de seu jornalismo. Informar é uma coisa, condenar pessoas antecipadamente é outra. Ou chama de suspeito/cidadão, ou não faz a reportagem.

Tá aí: http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default.jsp?uf=1&local=1&section=Geral&newsID=a2016497.xml

Fui!!