sábado, 2 de agosto de 2008

"O Menino do Pijama Listrado": ou "o Não-Lugar do nazismo e a Ética da Alteridade"



Por recomendação de uma querida e estimada amiga, li "O Menino do Pijama Listrado", do irlandês John Boyne (SP: Cia. das Letras, 2007). Geralmente tenho minhas restrições a livros que se encontram em listas de "mais vendidos", mas como se tratava de indicação de uma de minhas amigas que mais respeito, seja pela sua fantástica perspicácia, seja pela sua impressionante capacidade de separar o joio do trigo, não vi motivos para não arriscar.

Advertido por ela de que no início poderia achar o livro um tanto quanto infantil, persisti na leitura por um ou dois capítulos, até ser completamente envolvido pela história. Trata-se de um romance em que o protagonista Bruno, de 9 anos, filho de um comandante nazista, faz amizade com um judeu de mesma idade - Shmuel. Enquanto Bruno está chateado por ter se mudado de Berlin - onde sua casa era ampla e misteriosa o suficiente para nunca o deixar cair no tédio - para "Haja-Vista" (maneira como Bruno entendia "Auschwitz", pois ele nem sempre compreendia o que diziam os adultos), onde sua casa era menor e sem amigos por perto, ele conhece Shmuel, que estava no campo. Quando não tinha nada para fazer, Bruno saiu a "explorar" o local e, por acaso, encontrou seu amigo judeu.

A diferença entre ambos era uma só: Bruno era alemão, e Shmuel, judeu. E o que os afastava era a cerca, que separava esse campo de Auschwitz do resto do mundo. Diante da separação forçada, desenvolveram uma sólida amizade, e Bruno nunca entendeu o motivo de Shmuel não poder atravessar a cerca para brincar com ele.

Antes de mais nada, trata-se de uma inovação em termos de histórias do Holocausto: enquanto muitos relatam as suas experiências do lado de dentro (Primo Levi, na minha opinião, traz a mais importante delas), Bruno narra tudo do lado de fora. Nunca entendeu também qual a razão de todos usarem "o mesmo pijama listrado"...

Sem perceber, igualmente, que seu pai era diretamente ligado ao nazismo, Bruno o via como um ícone, como um herói. O "Führer" era, na compreensão de Bruno, o "Fúria" (mais uma excelente sacada do autor, além de Haja-Vista/Auschwitz), que sempre dava as ordens e era, segundo ele mesmo, "um sujeito muito grosseiro".

Apesar de algumas vezes o autor utilizar estilos lingüísticos extremamente irritantes e da inteligência de Bruno ser um pouco exagerada em alguns momentos para um menino de 9 anos, a riqueza da obra é inegável: trata-se, antes de mais nada, de uma verdadeira aula de ética da alteridade, em que, dos olhos desse mesmo menino, todas as distinções raciais e étnicas "criadas" e "forjadas" pelos seres humanos são, inegavelmente, meras criações absurdas mesmo. Desvinculado de todo e qualquer rótulo ou representação, Bruno percebe que cada pessoa possui seus próprios pensamentos, suas próprias idéias e seus próprios problemas, enxergando no Outro um ser humano como qualquer outro: angustiado, ansioso, feliz, triste, etc. Ao mesmo tempo em que tenta lidar com os seus problemas, Bruno dá voz justamente àqueles que nunca puderam falar, e isso faz com que consiga se encontrar, na melhor concepção ética do termo, com o Outro.

Não avanço mais no relato pra não falar do final - igualmente forte e violento - embora vontade não falte. Apenas confirmei que nem sempre os nossos próprios rótulos para os livros são verdadeiros, e que mesmo um tema já exaustivamente trabalhado pode ser repensado de forma original, uma vez que desde outros olhares.

2 comentários:

Moysés Neto disse...

Pilhei de ler o livro.

Juriká disse...

Não li o livro. Vi o filme. É muito bom tbm.
Afu esse teu post.
Abração