domingo, 13 de julho de 2008

O Não-Lugar da Minha Vida II

De nada adianta vivermos em um mundo cujas dimensões nos escapam aos sentidos: como numa atmosfera sem oxigênio, vivemos perdidos entre números e escalas, que apenas representam aquilo que a dureza da ciência calculadora definiu como o tamanho do nosso planeta.
Esse tamanho nada mais representa se podemos atravessar o globo de ponta a ponta em segundos: a comunicação acelerada permite sabermos o que se passa em qualquer canto do planeta, a qualquer hora, seja dia, seja noite. Nada mais escapa, está tudo lá, inscrito no amálgama da superabundância de eventos: o espaço, que antes distanciava as coisas, agora praticamente não existe. Na diminuição do espaço, o crescimento da complexidade é exponencial, e o tempo, resta modificado. As noções não são mais as mesmas, salvo aquelas de tempo absoluto, demarcadas pela fixidez do relógio.

“O mundo da supermodernidade não tem as dimensões exatas daquele no qual pensamos viver, pois vivemos num mundo que ainda não aprendemos a olhar.” Marc Augé. (Não-Lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade. 6. ed. Campinas: Papirus, 2007, p. 37)

Com essa frase, Marc Augé deixa claro que ainda estamos longe de aprendermos a viver não só nesse mundo acelerado e de espaços reduzidos, mas também no mundo dos padrões diferenciados e das estruturas em constante ruínas.
Engraçado pensarmos isso, pois sempre achamos que temos condições de lidar com o que está ao nosso redor. Não é de hoje esse narcisismo, evidente, mas impressiona a facilidade com que alguns pensam os seus problemas e aqueles que podemos considerar “coletivos”... Como se para resolver cada problema, cada crise, tivéssemos uma fórmula mágica que desse conta disso tudo. Ou melhor: um “segredo”, que pode surgir até mesmo de uma espécie de “pensamento mágico coletivo”.
Acho graça da ingenuidade dessa forma de pensar, mas não consigo “rir” dela (como se pudesse rir de qualquer forma de pensar), já que a minha forma, apesar de ser, em princípio, menos ilusória, também se fundamenta em estruturas bastante questionáveis. Aliás, para além de questionável, a minha forma foi responsável direta por tanta desgraça na história, que fico com vergonha de criticar qualquer coisa, pra dizer bem a verdade...
Engraçado mesmo é a insistência naquilo que já matou tanta gente; é persistir lendo os mesmos livros, como se essas leituras – sempre iguais – pudessem nos ajudar a encontrar algo novo. O livro até pode ser o mesmo, mas desde que o leitor seja outro: se não outra pessoa, então “outro leitor”, não aquela mesma pessoa que o leu há pouco tempo e não mudou o suficiente para poder apreender algo de novo naquela mesma leitura. Ou seja: até podemos reler os livros, mas antes nós mesmos temos que mudar.

E como mudar em um mundo em constante transformação? As infinitas mudanças cotidianas darão tempo para que a gente não caia nesse turbilhão e consiga, ainda, “pensar” acerca delas, do que ficou, do que poderá vir?!
Encontrar espaços desvinculados dessa frenética velocidade, que, como uma avalanche, tudo engole, é fundamental. Sair dessa temporalidade supermoderna da aceleração acelerada, parece uma condição para que possamos aprender a olhar o mundo em que vivemos.
Outra dificuldade está em saber se desvincular dos velhos paradigmas e, concomitantemente, conseguir lidar com os novos sem se deixar cair nas armadilhas fáceis das fórmulas mágicas. Para poder pensar sobre isso, fundamental sair desse tempo instantâneo, e buscar aprender aquilo que muitas vezes não conseguimos quando inseridos nessa velocidade contemporânea.

A ilusão da facilidade e da rapidez pega muitos desprevenidos, e os espanta quando “descobrem” que foram enganados. Como se o aprendizado fosse fácil! Não, pelo contrário: aprender cansa, dói, fere, mata. Esqueçam disso se não estiverem dispostos a passar por questionamentos constantes de seus próprios pensamentos, pois o que mais dói, sem dúvida, é reconhecer os nossos próprios erros, é reconhecer a nossa própria falibilidade e saber viver num mundo de diferenças.

Tomo como minha a frase do post anterior: “Não quero ser um filho da puta, que muito fala e nada faz, nada muda... quero pra mim um mundo palpável, possível, belo, humano...”.
Por isso pensar o Outro é uma exigência: para viver com o Outro, só sabendo respeitar as diferenças. E de que adianta respeitar o Outro sem praticar esse respeito? Moral de cueca, papo-furado. E pensar o Outro, no mundo supermoderno de Augé, é o que mais falta: só pensamos em nós mesmos – seja no trânsito, no supermercado, no banco, em casa, na rua, no ar, na terra e no mar. Conseguir escapar desse fluxo temporal alimentado pelo ego e pelo fechamento de si mesmo, pode fazer a diferença.
Saber degustar essa fuga aparece, então, como o grande desafio.

5 comentários:

Juriká disse...

Cara, um barco ancorado, estagnado no mar, está no mesmo lugar? É a mesma água abaixo dele depois de três segundos? Não estamos absolutamente nos mesmos lugares, a própria Terra nos transporta; não é à toa aquela história de que ninguém se banha duas vezes na mesma água...
Aliás, "depois da onde pesada, a onde zen..." (Seu Jorge)

Moysés Neto disse...

Tempo frenético que nos engole no paradoxal não-tempo. Só falamos do tempo por causa da velocidade, mas não nos damos conta que esse só é o tempo do relógio, cronometrado, quantitativo, distante do real. O tempo da urgência, da decisão, exige uma pausa que a nossa razão maciça não permite. Quando ousamos parar, surge o intervalo da decisão e aí, finalmente, irrompe o Outro. O preço é caro: é não falar mais a língua da razão opaca.

Anônimo disse...

O que sempre digo: Nietzsche e o barquinho...

Mas cuidado: tenho tido cada vez mais receito com essa de "nao poder rir de nenhuma forma de pensamento". Existem coisas que nao sao "formas de pensamento", e sim formas de subverter malevolamente o pensamento racional.

Algumas coisas estao evidentemente ERRADAS (que a resposta errada exis, nao tenho duvida, ja quanto a "resposta certa...") e outras EXISTEM (anti-RUTH), sim.

Achutti disse...

De todo modo, fica difícil, realmente difícil não rir de alguns "segredos" que andam espalhando por aí... ainda mais quando me deparo com a interpretação braguiana (de Ana Maria Braga mesmo!) desse modo esquisito de pensar... mas enfim...

Juriká disse...

Trecho da poesia do Paviani, que está no meu blog:
"Usina de inícios, máquina de auroras,
o relógio dificulta as horas."