quinta-feira, 17 de julho de 2008

O Não-Lugar para as Regras na Arte

"Os inimigos obstinados do poeta esgrimirão com muitas argumentações que já não contam. A mim me chamaram de morto de fome na minha juventude. Agora me hostilizam, fazendo crer às pessoas que sou um potentado, dono de uma fabulosa fortuna que, embora não tenha, gostaria de ter, entre outras coisas, para aborrecê-los mais.

Outros medem as linhas de meus versos provando que os divido em pequenos fragmentos ou os alongo demais. Não tem importância alguma. Quem institui os versos mais curtos ou mais longos, mais delicados ou mais largos, mais amarelos ou mais vermelhos? O poeta que os escreve é quem o determina. Determina-o com a respiração e com o sangue, com sua sabedoria e com sua ignorância porque tudo isto entra no pão da poesia.

O poeta que não seja realista está morto. Mas o poeta que seja somente realista está morto também. O poeta que seja somente irracional será entendido só por si mesmo e por sua amada - e isto é bastante triste. O poeta que seja só um racionalista será entendido até pelos asnos - e isto é também sumamente triste. Para tais equações não existem cifras no quadro-negro, não há ingredientes decretados por Deus nem pelo Diabo, mas sim que estes dois personagens importantíssimos mantêm uma luta dentro da poesia e nesta batalha vence ora um e ora outro, mas a poesia não pode ficar derrotada." (grifos meus)

"Confesso que vivi". Memórias de Pablo Neruda. 30ª. ed. Bertrand Brasil: Rio de Janeiro, 2007, pp. 308-309.

Um comentário:

Juriká disse...

Bá, lindo trecho, cara!!
Ora, "...será entendido só por si mesmo e por sua amada..." porque a vida é a tristeza que balança e a tristeza tem sempre uma esperança de um dia não ser mais triste não (Samba da Bênção, Vinicius)- não me parece que seja o absulutamente triste da normalidade cotidiana das pessoas que são pegas desprevinidas pelo choque com a realidade das não-absolutizações. Não é o triste que se coaduna com o ruim, mas o triste porque vital; quero dizer, é vital que os amantes (aqueles que se amam) se entendam tanto quanto a vida é tristeza e alegria ao mesmo tempo...