terça-feira, 13 de abril de 2010

Fórum da Liberdade. Ou, "cada macaco no seu galho".

Saí da aula hoje, na PUCRS, e não estava entendendo o motivo pra ter tanto carro no estacionamento. Depois que, atravessando o saguão do prédio 40, fui ver que era o dia de abertura do Fórum da Liberdade, organizado pelo Instituto de Estudos Empresariais.
Levei algum tempo pra perceber que não tenho praticamente nenhuma objeção à realização do tal Fórum. Antes eu pensava que tinha todos os motivos do mundo para não aturar esse tipo de evento: os homens, todos (eu disse TODOS), vão engravatados, e as mulheres, impecavelmente arrumadas para um baile de gala; todos (eu disse TODOS) comparecem ao evento de carro; a liberdade é discutida primordialmente pelo viés econômico; e a pauta é sempre o panorama mundial da economia. Devo estar enganado quanto a esses aspectos: tenho certeza de que a discussão abrange outros tópicos e que essa minha análise é superficial e, talvez, preconceituosa. Mas admito que, ainda assim, acho profícua a realização de um evento desses. Afinal, se todos pensassem como eu e meus parceiros de ideias (quase todos eles colegas do ICA), o mundo seria extremamente entediante.
No entanto, sou obrigado a confessar que, mesmo assim, há algo nesse Fórum que me incomoda, e o fato de que todos os participantes vão ao evento de carro é, talvez, o principal deles. Claro, a proposta é que seja mesmo um evento elitista, com o debate sendo realizado por grandes painelistas que, por sua vez, pautam as suas falas no atual cenário econômico mundial. Contudo, a simbologia de todos irem de carro ao evento é, para mim, incrível! Como se não bastasse o caráter individualista do ato de andar de carro, isso ainda me faz recordar que Porto Alegre possui o contingente de motoristas mais mal-educado da América Latina, e o fato de juntar tantos carros bonitos num mesmo lugar me fez pensar que muitas daquelas pessoas poderiam ser os motoristas mal-educados do cotidiano portoalegrense! Resumindo, quando penso em Porto Alegre + trânsito + aglomerado de carros, naturalmente não se forma uma imagem muito boa na minha memória...
Porém, mesmo que eu saiba que é importante um amplo espaço para o debate de todas as ideias, ainda assim me incomoda pensar que algumas pessoas pautam a discussão sobre "liberdade" apenas por um viés econômico, como se esse fosse o único aspecto importante a ser tratado quando se aborda um assunto dessa magnitude. Alguns poderão argumentar que se trata de um evento organizado por empresários (ou por pretendentes a empresário) e para empresários - mas a impressão que tenho ao ler os jornais e a própria propaganda do evento é que o único lado da liberdade que interessa é essa: a liberdade empresarial, com drástica redução da carga tributária e total abstenção do Estado no deus Mercado.
Ignora-se que, apesar de termos mesmo uma alta carga tributária, ainda vivemos em um país com uma concentração bizarra de renda, ou seja, com uma distribuição de riqueza que beira a comédia. Enquanto o Brasil for assim, não tem jeito: teremos que continuar arcando com uma alta carga tributária.
Ignora-se, ainda, que a liberdade dos empresários é a prisão do funcionário - falaciosamente chamado, atualmente, de "colaborador": se uma pessoa defende um Estado social mínimo, naturalmente está querendo dizer (nunca explicitamente, é claro, pois pode soar mal) que quer o aumento do seu próprio poder. Com a desregulamentação das relações de trabalho, a detestada "intromissão estatal" nas relações privadas desaparecerá, e o próprio Mercado saberá se autorregular e, portanto, nenhum direito dos trabalhadores será ameaçado ou extinto.
Por fim, a ideia de que o Estado deve apenas tutelar a "nossa" segurança é também uma pauta constante nesses locais. Claro que estamos falando da "nossa" segurança, pois a deles não nos interessa. Se forem presos, a culpa será exclusivamente deles, pois não souberam respeitar as convenções e regras sociais: ousaram enfrentar a "ordem pública" e serão, portanto, merecedores de castigo. Independente da precarização das suas condições de trabalho, as classes operárias - inferiores por natureza - deverão ser sempre dóceis e obedientes, e jamais reclamar de nada: quanto mais propagandas que favoreçam o cidadão de bem (ou cidadão de bens), melhor será a nossa convivência: nós aqui, na tranquilidade, e vocês aí, no sufoco. Apenas gostaríamos que não reclamassem, para que não sejamos incomodados. Estamos entendidos?
Vou repetir novamente, para não dizerem que estou de má-fé: sou favorável a esse tipo de evento, por mais que a função civilizatória da hipocrisia esteja mais presente neles do que em qualquer outro lugar. É absolutamente saudável para a democracia que todo tipo de opinião tenha seu espaço para debate. E é verdade que isso contraria algumas campanhas morais que eles mesmos defendem, como aquela do Crack nem pensar. "Mas esse é outro assunto", dirão alguns, negando a própria contradição. Claro, pois uma campanha dessas quer mais é que ninguém discuta nada, quando o que mais se deveria fazer é exatamente o oposto: discutir, e da forma mais responsável possível - como dizem Mayora e Salo. Mas tudo bem,  eles me garantem que querem discutir isso também, desde que "no local e no momento apropriado. Porém, agora não".
Acho, também, louvável que se discuta o atual cenário econômico mundial. Trata-se de assunto extremamente importante, que todo empresário deve ter em mente. É praticamente um assunto de primeira ordem quando a pauta é "como tornar o seu negócio rentável" ou "como gerir com sucesso a sua própria empresa em uma época de globalização da economia". Alguém duvida disso?
Apenas não podemos ignorar que a temática é complexa e exige algo mais do que carros, perfumes e gravatas. Tenho certeza de que, como disse um amigo meu, "o reacionarismo é dos gaudérios: os palestrantes são muito menos reaças."
Ainda quero me inscrever no Fórum um dia, para ouvir os palestrantes e confirmar a noção de que estou redondamente enganado, e que sou mais preconceituoso do que imagino. Tomara que esteja enganado mesmo. Essa é, na verdade, a minha esperança. Liberdade é isso aí!

10 comentários:

Anônimo disse...

"EMPRESARIATO" jovem portoalegrense e (neo)LIBERALISMO:

1. Resmungue das desigualdades sociais - e resmungue dos altos impostos como se fosse uma chibata a atrapalhar sua vida e lhe proporcionar miseros 242% de lucro ao inves dos 350% previstos;

2. Resmungue que "a violencia urbana" esta demais - e resmungue tambem que a segregacao dos lugares publicos tem que AUMENTAR e que temos que tratar MAIS gente como bicho para que "a coisa funcione"

3. Resmungue da intervencao estatal (qualquer uma) na economia - e resmungue quando o estado nao vier a injetar dinheiro no seu banco

4. Resmungue do TRANSITO insuportavel e RESMUNGUE quando o namorado de sua filha "nao tiver carango" (vida nua...)

5. Resmungue.

Com tanto RESMUNGO fico pensando em qual seria a VERDADEIRA "Teoria Critica"...

Anônimo disse...

ADENDO

"MORRI":

http://invertia.terra.com.br/forumdaliberdade/2010/noticias/0,,OI4377771-EI15496,00-Presidente+do+IEE+compara+governo+a+ladroes.html

Zé disse...

Fórum da Liberdade de Mercado

Unknown disse...

"ABANDONEM SEUS CARROS!", foi o mantra do ano novo!

Ricardo Timm de Souza disse...

Para mim é bizarro, no que diz respeito especificamente ao ideário do pretenso estado mínimo, ver a que ponto a hipocrisia pode chegar. Venho, por parte de pai, de uma tradição liberal em suas origens e realizações que era literalmente perseguida pelo Estado, aqui e na França e alhures, diferentemente daquilo que um colega professor designou, com precisão, como "liberais de araque", que correm para debaixo das asas do Estado assim que uma nuvem negra se aproxima - quero crer, a imensa maioria dos seres perambulantes do 40 ontem e hoje e seus acólitos. Pelo menos o Ghosn não foi hipócrita ao invocar indiretamente o velho Keynes. No mais, o ridículo de um mar de gente se achando imprescindível e sem ter a menor ideia do que realmente significa o que pretensamente simbolizam, sem ter a menor ideia de onde "se pode chegar", é simplesmente hilariante.
RTS.-

Marcelo Mayora disse...

Pois é, este foro me irrita profundamente, e me irrita mais ainda esses "liberais de araque" referidos pelo Timm, ou "liberais-com-o-dinheiro-do-papai", expressão do Daniel Gerber que gosto muito.

Pegaste um argumento muito bom: todos para PUC em belos carros, transporte público nem pensar, coisa de chinelão. Dia desses encontrei um conhecido na parada de ônibus, e o cara me deu vinte mil explicações sobre o porquê de estar ali, como se não fosse algo absolutamente natural.

Dale Tyler Durden.

Achutti disse...

Esse tipo de situação, Mayora, soa semelhante a uma pela qual passei num processo seletivo pra professor de uma grande universidade do RS. Apresentado como advogado criminalista, o vice-diretor da faculdade perguntou "qual era o tipo da minha clientela na advocacia - se eram chinelões, classe média ou empresários". Constrangido, porém lúcido, referi que nenhum advogado criminalista iniciante, com escritório próprio, tem condições de já sair advogando para empresários e que, portanto, a minha clientela é, naturalmente, aquela mais conhecida do sistema penal. Não fui selecionado.
Não que o resultado tenha sido injusto (considerei-o, inclusive, absolutamente justo), mas é o tipo de situação que ilustra bem como funcionam essas mentalidades...

Joao Augusto disse...

Nem todo mundo foi pra lá de carro, ora bolas! Sei de dezenas de pessoas que desceram na PUC de helicóptero. :P

Lina Faria disse...

Olá, Achutti,

Só hoje descobri seu blog, quase homônimo ao meu.
Por coincidencia ( existe coincidência?), estou sempre pagando no pé dos carros. Hoje tenho um post que fala exatamente sobre a esducação dos motoristas de Porto Alegre, de parar nos sinais, mesmo com sinal verde, dando a prioridade à faixa e sua segurança.
Sei que aí é lei. Em Curitiba não temos disso. Conhoço o sistema em Brasilia, Porto Alegre e Campo Mourão, no interior do Paraná, que ao que me consta foi a primeira cidade a adotar o sistema.

É um começo de educação aos motoristas e pedestres, né não?

Conheço o trabalho de um fotógrafo Achutti. È você?

Grazielly AB disse...

Se todos mantivermos nossos resmungos, quem sabe formemos, um dia, um belo brado que integre a teoria crítica?

Ao menos, com os carros, mostraram quem são: livres para agirem conforme o pensamento hegemônico atual. Eis a liberdade defendida por eles.

Não sei se à todos, mas à maioria: pobres coitados.

Adorei o Blog :*