segunda-feira, 15 de março de 2010

Relato de uma vida para a morte

Depois de retornar da Cidade dos Contrastes, ao som de alguma rádio mal sintonizada recordo, saudosista, de quando havia em mim algo mais que esperança. Nada muito significativo ou apto a realmente alterar o rumo dos acontecimentos daquela minha vida, mas era ao menos reconfortante saber que eu não vivia apenas de expectativas: algo de concreto havia ali, que me fazia acreditar e acordar disposto, como que certo de que tudo se realizaria em breve.
Hoje, no entanto, percebo a minha imbecilidade. Pensar que agora será diferente é ignorar a realidade que me disseca e aniquila, vagarosa e impiedosamente: onde foi que errei? Onde foi que deixei escapar a corda que sustentava religiosamente as minhas crenças? O cotidiano agora é uma luta, tornei-me um animal: não vivo mais da nostalgia dos tempos passados, não há mais sentido em recordar o dia de ontem - quero apenas esquecê-lo. Ao contar os dias, não mais lamento suas passagens - mas alegro-me ao perceber que, passo a passo, mais perto me aproximo do fim, do meu próprio fim. A minha energia é a consciência de que um dia isso tudo acabará, de forma a encerrar uma existência de absoluta indiferença para todo e qualquer destino que se possa imaginar.
Nada mais me resta, a não ser uma caixa de papelão, alguns objetos e um cachorro, que mesmo no desespero me acompanha. Nada mais desejo, a não ser viver para um dia terminar, terminar de viver...

6 comentários:

Zé disse...

Soarei brega e repetitivo. Tem dias que eu fico pensando na vida e, sinceramente, não vejo saída. Como é por exemplo, que dá pra entender, a gente mal nasce e começa a morrer. Poetinha, depois de beber vários cachorros.

Anônimo disse...

Meio -inacreditavelmente - cliche, mas enfim, preciso contar:

eu estava lendo isso quando o shuffle aqui do note tocou "Halleluijah" na versao do Jeff Buckley.

Eu quase CHOREI da 7a linha em diante.

Animal.

Clarissa de Baumont disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Clarissa de Baumont disse...
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Clarissa de Baumont disse...

talvez não seja desse modo, e na nulidade de existir haja algo além de nós que ao mesmo tempo se funda em nós...marcamos a existência do outro, interferimos nela, nos compomos mutuamente...

se começa com a mesma inconsciencia que se segue e acaba,e nossa vida é breve como um raio e insignificante a não ser por coisas que aparentam pequenas, mas por que se quer tanto a gradiosidade,por que se deseja tanto o sentido e a imortalidade terrestre após o fim da vida?...

talvez exista um poder oculto na leveza que encadeia a vida e isso é extra-individual,provavelmente nossa personalidade se dissipará através das gerações e teremos ainda assim interferido no que elas venham a ser.

(Simone de Beauvoir tem um livro mto bom sobre isso, "Todos os homens são mortais")

Anônimo disse...

Meu amigo, tu não abandonastes atua imbecilidade? Quando se beira os quarenta, a sensação e a dor ficam mais fortes. Mas, ao contrário, se olha para o passado e se vê o que se fez. Seus ex-alunos - com tu, seu escritório, sobretudo sua família, seu filho no espelho. Sim, há arrependimentos. Você para, pensa e ve que parte daquela esperança, se tornou realidade. Parte da expectativa virou vida em concreto. Você não se alegra "ao perceber que, passo a passo, mais perto me aproximo do fim, do meu próprio fim." O efeito é o inverso, é uma vontade imensa de voltar. Voltar. Ou ficar para ver pessoas como você no futuro e assim confirmar a aposta de que você é, será, "o cara". Viva, Dani. Viva! E tu sabes quem escreve...