Depois de retornar da Cidade dos Contrastes, ao som de alguma rádio mal sintonizada recordo, saudosista, de quando havia em mim algo mais que esperança. Nada muito significativo ou apto a realmente alterar o rumo dos acontecimentos daquela minha vida, mas era ao menos reconfortante saber que eu não vivia apenas de expectativas: algo de concreto havia ali, que me fazia acreditar e acordar disposto, como que certo de que tudo se realizaria em breve.
Hoje, no entanto, percebo a minha imbecilidade. Pensar que agora será diferente é ignorar a realidade que me disseca e aniquila, vagarosa e impiedosamente: onde foi que errei? Onde foi que deixei escapar a corda que sustentava religiosamente as minhas crenças? O cotidiano agora é uma luta, tornei-me um animal: não vivo mais da nostalgia dos tempos passados, não há mais sentido em recordar o dia de ontem - quero apenas esquecê-lo. Ao contar os dias, não mais lamento suas passagens - mas alegro-me ao perceber que, passo a passo, mais perto me aproximo do fim, do meu próprio fim. A minha energia é a consciência de que um dia isso tudo acabará, de forma a encerrar uma existência de absoluta indiferença para todo e qualquer destino que se possa imaginar.
Nada mais me resta, a não ser uma caixa de papelão, alguns objetos e um cachorro, que mesmo no desespero me acompanha. Nada mais desejo, a não ser viver para um dia terminar, terminar de viver...
6 comentários:
Soarei brega e repetitivo. Tem dias que eu fico pensando na vida e, sinceramente, não vejo saída. Como é por exemplo, que dá pra entender, a gente mal nasce e começa a morrer. Poetinha, depois de beber vários cachorros.
Meio -inacreditavelmente - cliche, mas enfim, preciso contar:
eu estava lendo isso quando o shuffle aqui do note tocou "Halleluijah" na versao do Jeff Buckley.
Eu quase CHOREI da 7a linha em diante.
Animal.
talvez não seja desse modo, e na nulidade de existir haja algo além de nós que ao mesmo tempo se funda em nós...marcamos a existência do outro, interferimos nela, nos compomos mutuamente...
se começa com a mesma inconsciencia que se segue e acaba,e nossa vida é breve como um raio e insignificante a não ser por coisas que aparentam pequenas, mas por que se quer tanto a gradiosidade,por que se deseja tanto o sentido e a imortalidade terrestre após o fim da vida?...
talvez exista um poder oculto na leveza que encadeia a vida e isso é extra-individual,provavelmente nossa personalidade se dissipará através das gerações e teremos ainda assim interferido no que elas venham a ser.
(Simone de Beauvoir tem um livro mto bom sobre isso, "Todos os homens são mortais")
Meu amigo, tu não abandonastes atua imbecilidade? Quando se beira os quarenta, a sensação e a dor ficam mais fortes. Mas, ao contrário, se olha para o passado e se vê o que se fez. Seus ex-alunos - com tu, seu escritório, sobretudo sua família, seu filho no espelho. Sim, há arrependimentos. Você para, pensa e ve que parte daquela esperança, se tornou realidade. Parte da expectativa virou vida em concreto. Você não se alegra "ao perceber que, passo a passo, mais perto me aproximo do fim, do meu próprio fim." O efeito é o inverso, é uma vontade imensa de voltar. Voltar. Ou ficar para ver pessoas como você no futuro e assim confirmar a aposta de que você é, será, "o cara". Viva, Dani. Viva! E tu sabes quem escreve...
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