segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Surtos Extemporâneos Anticárcere II

O que se requer, portanto, é

uma criminologia que se proponha curiosa e compreensiva; uma criminologia que não produza criminosos e criminalizações, mas sim cognições desejantes de liberdade, que não apenas expliquem o passado e seus atores, mas se projete para o futuro e seus sujeitos possíveis. (CHIES, Luiz Antônio Bogo. Gênero, Criminalização, Punição e “Sistema de Justiça Criminal”: um olhar sobre as sobrecargas punitivas e as dominações masculinas. In: Revista de Estudos Criminais, n. 28. Porto Alegre: Notadez/PUCRS, 2008, p. 103)


Toda ordem de intervenção jurídico-penal conforme o modelo tradicional de justiça criminal, hoje, estará fadada ao fracasso, uma vez que pressupõe o êxito de uma razão já extensa e profundamente criticada: aquela, instrumental,[1] que sustenta e legitima o sistema penal. Para além dessas questões, a falha é sempre a mesma: acreditar que é possível, através de sistemas universais, enfrentar situações específicas e singulares.

A conclusão, portanto, não poderia ser diferente: para superar o medo, o preconceito, o sistema penal e sua resposta única (pena), há que se criar espaços para o diálogo, onde a construção das respostas seja viabilizada e cada caso possa apresentar a resposta mais adequada, tal como propõe a Justiça Restaurativa, por exemplo. Não se acredita que esse modelo de justiça criminal vá “solucionar os males do mundo”, mas, sem dúvida, será muito menos genocida que o atual sistema penal.



[1] Conferir: ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Surtos Extemporâneos Anticárcere I

"A redução da complexidade da cultura contemporânea[1] a meras leis – matemáticas ou jurídicas, tanto faz: a lógica é a mesma – acaba por apresentar uma simplificação insustentável: quando se trata de enfrentar uma ciência social aplicada como o Direito, cujos fenômenos não podem ser descritos através de fórmulas, corre-se o sério risco de um reducionismo muito próximo da irracionalidade.[2]

Pensar o direito penal como meio para efetivar uma resposta estatal em relação a um evento criminoso não só vai de encontro a toda e qualquer constatação de que o sistema penal não consegue efetivar as suas promessas,[3] como também evidencia o conservadorismo característico da dogmática atinente ao tema. A insistente natureza redentora do direito penal submete os acusados em geral a uma situação injustificável, sustentada apenas pela crença de que a pena poderá "salvar" o criminoso e "curá-lo", colaborando, portanto, para a “sociedade de bem”.

Preconiza, ainda, que, por meio da pena, conseguirá fazer com que o sujeito possa se re: ressocializar, reeducar, reintegrar...[4] Ou seja: é a lógica da resposta única para os mais diversos (e complexos) problemas e conflitos.[5] Independente da variedade dos fatores envolvendo cada crime, a resposta é sempre igual: pena privativa de liberdade.

Como diria Paul Feyerabend, “não há soluções gerais” (In Contra o Método. SP: UNESP, 2007, p. 16): é mais do que necessário admitirmos isso, para que possamos pensar no 'passo adiante', sob pena de mantermos essa mesmice genocida que temos hoje.

O que seria o direito penal, afinal, senão uma fórmula redutora de complexidade, ou então aquilo que Salo de Carvalho chama de método de despedaçamento? (Criminologia e Transdisciplinaridade. In "RBCCRIM", v. 54. SP: RT, 2005, p. 311)"



[1] Conferir SOUZA, Ricardo Timm de. Em Torno à Diferença: aventuras da alteridade na complexidade da cultura contemporânea. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

[2] “(...) a simplicidade das leis constitui uma simplificação arbitrária da realidade que nos confina a um horizonte mínimo para além do qual outros conhecimentos da natureza, provavelmente mais ricos e com mais interesse humano, ficam por conhecer.” (SANTOS, Boaventura de Sousa. A Crítica da Razão Indolente, p. 72.)

[3] Os trabalhos a seguir são suficientes para se chegar a tal conclusão: BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993; HULSMAN, Louk e CELIS, Jacqueline Bernat de. Penas Perdidas: o sistema penal em questão. 2. ed. Niterói: Luam, 1997; ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Em Busca das Penas Perdidas: a perda de legitimidade do sistema penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Revan, 1999.

[4] Sobre os discursus ‘re’, conferir: ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Desafios do Direito Penal na Era da Globalização. In: “Revista Consulex”, ano V, n. 106. Brasília: Consulex, 2001.

[5] “A dita civilização do progresso material, fundada na ciência e na técnica, não pôde realizar, pois, a suposta felicidade ampla, geral e irrestrita, conforme prometera em suas origens históricas.” (BIRMAN, Joel. Mal-Estar na Atualidade. RJ: Civilização Brasileira, 2007, 38)

sábado, 11 de outubro de 2008

Movimento Anticarcerário

Adicionei um blog à lista: o do Movimento Anticarcerário, idealizado por Salo de Carvalho.

http://anticarcere.zip.net/

Confiram! Vale muito a leitura! Ainda mais nesse momento de puro 'marasmo criminológico' pelo qual atravessamos...


"Movimento Anticarcerário - Exposição de Motivos

A profunda crise no sistema carcerário - brasileiro, em especial - motivou grupo de investigadores em criminologia, em sua maioria vinculados ao Programa de Pós-graduação em Ciências Criminais, a propor a criação de Movimento Anticarcerário.

O projeto tem inspiração no Movimento Antimanicomial italiano, cujo resultado foi a publicação da Lei 180/78. Intitulada como Lei Basaglia - líder do Movimento da Psiquiatria Democrática -, fomentou radical alteração e reforma no sistema de tratamento da saúde mental em inúmeros países ocidentais, sobretudo com o fechamento das instituições manicomiais.

Assim, objetivando pautar a discussão sobre a urgência da modificação e a necessidade de substituição do modelo de resposta penal centralizado na pena carcerária, o 'blog' procura criar espaço de discussão e de encontro de pesquisadores que trabalham com a temática."


quarta-feira, 8 de outubro de 2008

O Não-Lugar da Minha Vida III

Quanto mais eu caminho,
mais parece que nunca vou chegar...
Mas quanto menos me movimento,
mais certeza tenho de que não posso parar...
A ilusão da certeza
não tem absolutamente NADA
para me dizer:
ela é tão-somente isso:
uma ilusão,
um mito,
uma impressão...

Uma falsa promessa de que estarei seguro
se me mantiver parado,
se me mantiver protegido,
se me mantiver afastado
daqueles que me questionam
sobre as minhas verdades
e sobre as minhas vontades -
de me afastar da hipocrisia
e da lamentável vidinha
do mesmo dia de hoje
que é o mesmo dia de ontem
e que será igual ao dia
de depois de amanhã...

Mesmo não estando sozinho,
sinto-me em plena solidão:
seja em razão dos meus ensejos,
seja por causa dos teus sorrisos,
seja pela falta dos nossos desejos...

Quanto mais próximo estou,
mais só parece-me que sou:
esse abismo que se me apresenta
essa figurativa barreira intransponível
para realização daqueles meus sonhos,
mais parece a guilhotina dos desesperados,
que sabem que a morte é certa,
mas não sabem o peso e o fio
da lâmina que lhes cortará a vida,
que lhes tirará o sono,
que os apagará da história,
e os levará para o silêncio e a melancolia
daqueles que nada mais são,
além de pura memória...

Daqueles cuja eternidade nos alerta
que o tempo se esvai
e se vai,
como quem não quer nada
como o nada que é...
Mas que,
apesar de nada ser,
tudo leva,
tudo corrói,
tudo esmaga,
e tudo destrói...

Não: não vou deixar o tempo
levar os meus desejos,
não vou deixá-lo dominar
aquilo que sou,
sem pelo menos torná-los verdadeiros,
sem tê-los como ponto de partida
de uma vida menos morta
de uma vida mais vivida
de um olhar mais atento
de um sorriso mais honesto
de uma incerteza muito grande
de uma vontade delirante,
de quem não quer atravessar
essa curta existência inteira
como quem tem medo de sentir dor,
que não tem dó
da beleza de uma flor,
ou que morre de amores
diante de uma só triste
e única cor...

Enquanto vivo estiver,
continuarei atrás dos meus desejos,
como forma 
de me manter vivo...
E de afastar o sentimento de perda
que me atormenta a passagem dos dias:
sem poder sentir o calor,
sem poder sentir o amor,
que sei que em ti encontrarei:
na intensidade intensa
de todos os teus recantos,
na angustiante angústia
de todos os teus encantos.